Um jornalista só deve ser notícia num dia triste como o de
hoje:
- Morreu um Homem de Bem!
O Luís Osório deixou na sua página do BF a mais sentida e
bela homenagem que um Amigo pode transmitir.
Junto-me a ele para deixar os meus pêsames ‘a Família enlutada.lmc
......
Morreu o jornalista Rogério Rodrigues
O jornalista Rogério Rodrigues morreu no final da tarde de terça-feira, aos 72 anos, confirmou hoje à Lusa fonte familiar.
O jornalista, natural de Peredo dos Castelhanos, Torre de Moncorvo, estava doente e tinha sido hospitalizado no domingo.
Rogério Rodrigues começou a trabalhar no Diário de Lisboa em 1974, de onde saiu em 1981 para O Jornal.
Em 1989 foi para a revista Sábado e em 1990 para o Público. Voltou ao O Jornal em 1992, onde permaneceu até 1994.
O
jornalista Luís Osório reagiu à notícia, na sua página da rede social
Facebook, expressando o seu lamento pela morte daquele que considera "o último jornalista".
POSTAL DO DIA
Morreu o último jornalista
Talvez nunca tenham ouvido falar do Rogério, mas com isso não se sintam
culpados com tal ignorância, ele fez tudo para nunca se falado, para
nunca ser elogiado, para passar sempre ao largo dos holofotes, dos
aplausos, das condecorações, dos puxa-saco.
O Rogério foi o melhor, o mais extraordinário jornalista que conheci. A
pessoa com quem mais aprendi, a pessoa com quem bebi o primeiro whisky,
a pessoa a quem confessei não ser capaz, a pessoa a quem pedi refúgio
nos meus divórcios, nas minhas falhas, pecados, tragédias.
Atropelo-me, falo do que não interessa. Desculpe-me. Comecei a lê-lo no
Público, no início do Público. Eu adolescente, ávido de conhecimento e
sempre de jornal na mão, e ele um grande repórter, porventura o único
jornalista capaz de contar uma história de crime com o génio de um
Truman Capote. Li o seu livro sobre o assassino Faustino Cavaco antes de
o conhecer. Li e disse aos meus amigos: vocês já leram Rogério
Rodrigues, já leram a sua prosa?
E ninguém escrevia sobre
política como o Rogério. Nem sobre o Partido Comunista. Ou Álvaro Cunhal
– no dia em que o conheci, na redação do semanário O Jornal, acabara de
publicar um perfil sobre o histórico líder comunista, levei o jornal
para casa e adormeci a sonhar com o dia em que escreveria como ele.
A sua cultura era lendária. Sabia tudo. Conhecia todos. Viajava pela
língua como poucos, manobrava-a como ninguém. Até o José Cardoso Pires,
com quem bebia copos nas pausas das notícias ou da escrita, gostava de
dizer que ele é que era. Eu ficava em silêncio a ouvi-los, tinha 19 anos
e era um miúdo cheio de complexos, borrado de medo de estar ali com
aqueles gigantes que fumavam como Bogart e bebiam com estilo,
lentamente, deixando que as palavras se espalhassem à sua volta como o
fumo dos cigarros. Havia também o Fernando Assis Pacheco, claro. O
Afonso Praça, transmontano como ele. O Vítor Bandarra, que só conheci
uns anos mais tarde, não naqueles primeiros anos, o puto como era
chamado pelos velhos mestres.
Embarcou comigo na aventura de A
Capital. Fiz-lhe o convite com alguma vergonha: queres ser diretor
adjunto, meu diretor adjunto? Não pediu para pensar, vamos Luís. E foi.
durante um ano e meio virámos do avesso o que podia ser virado do
avesso. Naquele ano e meio afundei-me em trabalho e ele esteve sempre na
primeira linha. A trabalhar mais de 12 horas por dia. A “sacar”
notícias como só ele sacava. Estranha coincidência: foi ele quem, no
princípio de novembro de 2004, deu a notícia em quem ninguém acreditou, o
operário Jerónimo de Sousa seria o novo secretário geral do PCP. Nos
dias em que se especula acerca da saída de Jerónimo volto à notícia em
que ninguém acreditou, a sua notícia. O PCP era ainda mais inexpugnável
do que hoje, muito mais. Mas o Rogério conseguia tudo. E não queria nada
para ele, deixava-me brilhar – vai tu, Luís, vai às televisões e
defende a nossa manchete.
“Vai tu, Luís. Eu fico, estou bem, não preciso de nada, o que importa é a notícia”.
Depois estivemos em programas de televisão. E ajudou-me a lançar o
Rádio Clube onde passámos dificuldades. A meio do processo, quando o
projeto tinha apenas um ano e meio ou dois anos, a administração
pressionou muito, o Grupo Prisa estava em grandes dificuldades e eu
tinha de prescindir dos colaboradores, os que estavam a recibos verdes.
Seriam os primeiros a ir e era inegociável. O Rogério, que era o meu
consultor, adiantou-se: Luís, eu vou. Não é preciso falarmos mais nisso,
sei o que está a acontecer e amigo não empata amigo. E foi.
E
eu fiquei. Estúpido de merda fiquei. E deixei-o ir. Sem replica. Sem
dizer à administração que o Rogério era a minha linha vermelha,
inegociável para mim. Quando saiu daquela porta, quando deixei que
saísse, o jornalismo morreu para mim. O jornalismo por quem me
apaixonara em jovem. E nunca mais deixei de pensar que na vida há
valores muito mais importantes do que a sobrevivência. Serviu-me para a
vida.
Transmontano de Moncorvo, o Rogério. Com ele comi
lampreia pela primeira vez. Com ele conheci poetas, escritores, livros,
polícias e ladrões, sítios de informadores e o parlamento. Nunca
elogiava da maneira como se elogia. Nunca abraçava da maneira como se
abraça. Nunca festejava da forma como se festeja. Ou chorava da maneira
como se chora, nunca o vi chorar.
Amava profundamente a mulher da
sua vida. Contou-me num dia especial: a Arlete é a pessoa da minha
vida, não saberei viver sem ela, mas não lhe quero dar esse peso, o peso
dessa dependência, é apenas um problema meu.
E amava profundamente
os seus dois filhos. Quando o Tiago começou a ter sucesso, falava do
mais novo. Queria equilibrar as coisas. Mas quando o mais velho foi
convidado para o lugar mais importante do teatro português
perguntei-lhe: estás feliz, Rogério? Fumou um cigarro sem dizer uma
única palavra. E no final tinha as lágrimas presas nos olhos. O Tiago
era a sua prenda para o mundo. Sua e da Arlete.
Estou ainda no
escritório. Precisei de ficar mais um pouco. Os meus filhos mais novos
estão a dormir em casa. Os mais velhos ainda não sabem que morreu o
Rogério, o último jornalista. O último jornalista que conheci entre
todos os que viviam em função de uma ideia que foi morrendo no tempo.
Fui ao supermercado em frente comprar uma garrafa de Famous Grouse.
Bebo à sua memória, à sua vida. E quis o destino que amanhã, sexta,
sábado e domingo, esteja a moderar quatro debates sobre “Fake News”, no
teatro Nacional Dona Maria II, dirigido pelo seu filho, Tiago Rodrigues.
E na quinta-feira, apresento um livro de entrevistas em que a
última é com o seu filho, a pessoa que considero há muito como o mais
talentoso entre todos os criadores portugueses.
Não há palavras,
Rogério. Tinhas mesmo de abalar hoje? Bebes um copo comigo? Vem, estou
aqui. A garrafa dá para os dois.
LO
"O Rogério foi o melhor, o mais extraordinário jornalista que conheci", escreveu Luís Osório.
"Ninguém escrevia sobre política como o Rogério. Nem sobre o Partido Comunista. Ou Álvaro Cunhal - no
dia em que o conheci, na redação do semanário O Jornal, acabara de
publicar um perfil sobre o histórico líder comunista, levei o jornal
para casa e adormeci a sonhar com o dia em que escreveria como ele", acrescentou.
Rogério Rodrigues foi também diretor-adjunto de A Capital, quando Luís Osório dirigiu o vespertino, e passou também pela nova fase do Rádio Clube Português e por programas de televisão.
Henrique Monteiro, também no Facebook, lembrou que Rogério Rodrigues "foi perseguido antes do 25 de Abril, tolerante e aberto depois. Teimoso sempre.".
"O
velório será realizado na Igreja Matriz da Amadora, a partir das 18:00
de sexta-feira. No sábado, pelas 14h, será realizada uma cerimónia de
despedida na Igreja da Amadora, seguindo depois o corpo para o
Crematório de Barcarena", divulgou o seu filho, Tiago Rodrigues, diretor
do Teatro Nacional D. Maria II.
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