quarta-feira, 9 de outubro de 2019

A Morte de um grande Jornalista


Um jornalista só deve ser notícia num dia triste como o de hoje:
- Morreu um Homem de Bem!
O Luís Osório deixou na sua página do BF a mais sentida e bela homenagem que um Amigo pode transmitir.  
Junto-me a ele para deixar os meus pêsames ‘a Família enlutada. lmc 
......

Morreu o jornalista Rogério Rodrigues

O jornalista Rogério Rodrigues morreu no final da tarde de terça-feira, aos 72 anos, confirmou hoje à Lusa fonte familiar.





O jornalista, natural de Peredo dos Castelhanos, Torre de Moncorvo, estava doente e tinha sido hospitalizado no domingo.
Rogério Rodrigues começou a trabalhar no Diário de Lisboa em 1974, de onde saiu em 1981 para O Jornal.
Em 1989 foi para a revista Sábado e em 1990 para o Público. Voltou ao O Jornal em 1992, onde permaneceu até 1994.

O jornalista Luís Osório reagiu à notícia, na sua página da rede social Facebook, expressando o seu lamento pela morte daquele que considera "o último jornalista".




Luís Osório
há 22 horas

POSTAL DO DIA
Morreu o último jornalista
Talvez nunca tenham ouvido falar do Rogério, mas com isso não se sintam culpados com tal ignorância, ele fez tudo para nunca se falado, para nunca ser elogiado, para passar sempre ao largo dos holofotes, dos aplausos, das condecorações, dos puxa-saco.
O Rogério foi o melhor, o mais extraordinário jornalista que conheci. A pessoa com quem mais aprendi, a pessoa com quem bebi o primeiro whisky, a pessoa a quem confessei não ser capaz, a pessoa a quem pedi refúgio nos meus divórcios, nas minhas falhas, pecados, tragédias.
Atropelo-me, falo do que não interessa. Desculpe-me. Comecei a lê-lo no Público, no início do Público. Eu adolescente, ávido de conhecimento e sempre de jornal na mão, e ele um grande repórter, porventura o único jornalista capaz de contar uma história de crime com o génio de um Truman Capote. Li o seu livro sobre o assassino Faustino Cavaco antes de o conhecer. Li e disse aos meus amigos: vocês já leram Rogério Rodrigues, já leram a sua prosa?
E ninguém escrevia sobre política como o Rogério. Nem sobre o Partido Comunista. Ou Álvaro Cunhal – no dia em que o conheci, na redação do semanário O Jornal, acabara de publicar um perfil sobre o histórico líder comunista, levei o jornal para casa e adormeci a sonhar com o dia em que escreveria como ele.
A sua cultura era lendária. Sabia tudo. Conhecia todos. Viajava pela língua como poucos, manobrava-a como ninguém. Até o José Cardoso Pires, com quem bebia copos nas pausas das notícias ou da escrita, gostava de dizer que ele é que era. Eu ficava em silêncio a ouvi-los, tinha 19 anos e era um miúdo cheio de complexos, borrado de medo de estar ali com aqueles gigantes que fumavam como Bogart e bebiam com estilo, lentamente, deixando que as palavras se espalhassem à sua volta como o fumo dos cigarros. Havia também o Fernando Assis Pacheco, claro. O Afonso Praça, transmontano como ele. O Vítor Bandarra, que só conheci uns anos mais tarde, não naqueles primeiros anos, o puto como era chamado pelos velhos mestres.
Embarcou comigo na aventura de A Capital. Fiz-lhe o convite com alguma vergonha: queres ser diretor adjunto, meu diretor adjunto? Não pediu para pensar, vamos Luís. E foi. durante um ano e meio virámos do avesso o que podia ser virado do avesso. Naquele ano e meio afundei-me em trabalho e ele esteve sempre na primeira linha. A trabalhar mais de 12 horas por dia. A “sacar” notícias como só ele sacava. Estranha coincidência: foi ele quem, no princípio de novembro de 2004, deu a notícia em quem ninguém acreditou, o operário Jerónimo de Sousa seria o novo secretário geral do PCP. Nos dias em que se especula acerca da saída de Jerónimo volto à notícia em que ninguém acreditou, a sua notícia. O PCP era ainda mais inexpugnável do que hoje, muito mais. Mas o Rogério conseguia tudo. E não queria nada para ele, deixava-me brilhar – vai tu, Luís, vai às televisões e defende a nossa manchete.
“Vai tu, Luís. Eu fico, estou bem, não preciso de nada, o que importa é a notícia”.
Depois estivemos em programas de televisão. E ajudou-me a lançar o Rádio Clube onde passámos dificuldades. A meio do processo, quando o projeto tinha apenas um ano e meio ou dois anos, a administração pressionou muito, o Grupo Prisa estava em grandes dificuldades e eu tinha de prescindir dos colaboradores, os que estavam a recibos verdes. Seriam os primeiros a ir e era inegociável. O Rogério, que era o meu consultor, adiantou-se: Luís, eu vou. Não é preciso falarmos mais nisso, sei o que está a acontecer e amigo não empata amigo. E foi.
E eu fiquei. Estúpido de merda fiquei. E deixei-o ir. Sem replica. Sem dizer à administração que o Rogério era a minha linha vermelha, inegociável para mim. Quando saiu daquela porta, quando deixei que saísse, o jornalismo morreu para mim. O jornalismo por quem me apaixonara em jovem. E nunca mais deixei de pensar que na vida há valores muito mais importantes do que a sobrevivência. Serviu-me para a vida.
Transmontano de Moncorvo, o Rogério. Com ele comi lampreia pela primeira vez. Com ele conheci poetas, escritores, livros, polícias e ladrões, sítios de informadores e o parlamento. Nunca elogiava da maneira como se elogia. Nunca abraçava da maneira como se abraça. Nunca festejava da forma como se festeja. Ou chorava da maneira como se chora, nunca o vi chorar.
Amava profundamente a mulher da sua vida. Contou-me num dia especial: a Arlete é a pessoa da minha vida, não saberei viver sem ela, mas não lhe quero dar esse peso, o peso dessa dependência, é apenas um problema meu.
E amava profundamente os seus dois filhos. Quando o Tiago começou a ter sucesso, falava do mais novo. Queria equilibrar as coisas. Mas quando o mais velho foi convidado para o lugar mais importante do teatro português perguntei-lhe: estás feliz, Rogério? Fumou um cigarro sem dizer uma única palavra. E no final tinha as lágrimas presas nos olhos. O Tiago era a sua prenda para o mundo. Sua e da Arlete.
Estou ainda no escritório. Precisei de ficar mais um pouco. Os meus filhos mais novos estão a dormir em casa. Os mais velhos ainda não sabem que morreu o Rogério, o último jornalista. O último jornalista que conheci entre todos os que viviam em função de uma ideia que foi morrendo no tempo.
Fui ao supermercado em frente comprar uma garrafa de Famous Grouse. Bebo à sua memória, à sua vida. E quis o destino que amanhã, sexta, sábado e domingo, esteja a moderar quatro debates sobre “Fake News”, no teatro Nacional Dona Maria II, dirigido pelo seu filho, Tiago Rodrigues.
E na quinta-feira, apresento um livro de entrevistas em que a última é com o seu filho, a pessoa que considero há muito como o mais talentoso entre todos os criadores portugueses.
Não há palavras, Rogério. Tinhas mesmo de abalar hoje? Bebes um copo comigo? Vem, estou aqui. A garrafa dá para os dois.
LO


"O Rogério foi o melhor, o mais extraordinário jornalista que conheci", escreveu Luís Osório.
"Ninguém escrevia sobre política como o Rogério. Nem sobre o Partido Comunista. Ou Álvaro Cunhal - no dia em que o conheci, na redação do semanário O Jornal, acabara de publicar um perfil sobre o histórico líder comunista, levei o jornal para casa e adormeci a sonhar com o dia em que escreveria como ele", acrescentou.

Rogério Rodrigues foi também diretor-adjunto de A Capital, quando Luís Osório dirigiu o vespertino, e passou também pela nova fase do Rádio Clube Português e por programas de televisão.
Henrique Monteiro, também no Facebook, lembrou que Rogério Rodrigues "foi perseguido antes do 25 de Abril, tolerante e aberto depois. Teimoso sempre.".


"O velório será realizado na Igreja Matriz da Amadora, a partir das 18:00 de sexta-feira. No sábado, pelas 14h, será realizada uma cerimónia de despedida na Igreja da Amadora, seguindo depois o corpo para o Crematório de Barcarena", divulgou o seu filho, Tiago Rodrigues, diretor do Teatro Nacional D. Maria II.


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