sexta-feira, 30 de agosto de 2019

Let's Get Lost_Chet Baker





o admirável documentário de Bruce Weber:

Let’s Get Lost (1988) é um documentário sobre a vida turbulenta e a carreira do trompetista de jazz Chet Baker. Escrito e dirigido por Bruce Weber, Let’s Get Lost é um dos mais belos filmes reais feitos sobre o universo do jazz no séc. XX e o mais marcante dedicado à figura singular de Chet Baker.


"Há sempre uma encruzilhada na vida de um homem normal. Talvez várias na vida de um homem que escape à mediania. Uma ou várias implicam escolher. Pode ser a decisão de dar ou não dar um beijo, o destino de uma paixão, a escolha de um amor (sim, o amor também é uma escolha). Para alguns a descoberta de uma vocação, por vezes a opção entre uma vida livre a sofrer ou uma do tipo vegetativa, rica e sem dramas. Com princípio, meio e fim, ignorando a dor, própria ou alheia."


"Aos primeiros minutos de Let's Get Lost vemos um Chet Baker com 50 e muitos anos, de olhar enigmático, sentado num Cadillac descapotável, rodeado de duas jovens mulheres. O imaginário romântico típico de um músico de jazz. Esta- mos em 1987 e mal imaginava Bruce Weber, o realizador, que poucos meses depois dessas filmagens, Chet Baker acabaria morto numa rua de Amesterdão, depois de, conta a história, ter caído da janela do hotel onde estava instalado. O retrato daquele que foi uma das maiores referências do chamado cool jazz da costa oeste dos EUA chega agora ao formato DVD em Portugal.

No entanto nada há de romantismo na vida de Chet Baker. É verdade que, nos tempos de juventude, a sua figura lembrava estrelas como James Dean ou Montgomery Cliff. Apareceu em filmes como Hell's Horizon (1955) ou Howlers of the Dock (1960), e no mesmo ano a sua vida deu origem à longa-metragem All the Fine Young Cannibals. Mas este documentário de Bruce Weber não romantiza o trompetista. Em Let's Get Lost tanto vemos um Chet Baker que, dado ao seu talento, marcou a história do jazz, como um Chet Baker desapontado com a vida, viciado em heroína, que bateu nas mulheres que o acompanharam, que negligenciou os filhos.

Há ainda assim algo de poético na forma como Bruce Weber nos mostra Baker em Let's Get Lost. Provavelmente por tê-lo filmado sempre a preto e branco, ao que juntou várias imagens de arquivo, do auge criativo do trompetista, sem com isto criar um efeito perverso de contraste entre o esplendor da juventude e a decadência do fim da vida.

É verdade que Bruce Weber ficou conhecido especialmente pela sua carreira como fotógrafo de moda, tendo com grande referência a estética dos anos 1940/ /50. Já realizou também telediscos para Pet Shop Boys e Chris Isaak. Em Let's Get Lost entregou-se à vida de Chet Baker, experiência que, definiu ao Austin Chronicle como "selvagem e excêntrica".

Foi no início dos anos 1950 que Chet Baker começou a dar que falar no circuito jazz da costa oeste dos EUA, especialmente quando em 1952 se juntou ao Gerry Mulligan Quartet. Depressa o quarteto se torna um caso de sucesso, mas Baker acabaria por voar mais alto. Weber chegou mesmo por descrever o músico com alguém "que queria ser livre como um pássaro, alguém mágico e inesquecível".

Depois de reconhecido como trompetista, decide apostar no canto. A forma simples e sussurrada com que deu voz a um Almost Blue tornaram-no um ícone. Mas com o reconhecimento vieram também os problemas com drogas, que o levaram no início dos anos 60 a ficar preso durante mais de um ano em Itália e em 1966 a ficar sem os dentes, história que nem no documentário se descobre bem como se passou. Esteve durante anos ausente. Mas regressaria aos palcos com a ajuda de Dizzy Gillespie.

E este percurso é também revelado em Let's Get Lost, que celebra a vida e obra de um dos mais talentosos músicos de jazz."
in: AQUI: 

"Tirando aquela parte em que o entrevistador pergunta a Chet Baker qual terá sido o momento mais feliz da sua vida, cuja compreensão — digo eu, que não sou tão exagerado como ele ou Faulkner — só está ao alcance de um alfista(*), recordo aquele momento em que Baker, olhando para si próprio, diz o que aconselharia a um filho. Era mais ou menos isto: descobre o que queres ser, vai por ti, e depois procura ser um génio no que escolheste.

O problema é que nem todos têm o mesmo grau de loucura nas escolhas que fazem para atingirem a genialidade. E depois é preciso levar o resto da vida a conviver com isso. Uma chatice.

A diferença entre um homem e um génio está na sua dose de loucura.

E ser capaz de colocá-la ao serviço dos outros dando prazer a si próprio. Seja na literatura, na pintura, na música, na medicina, num artigo de jornal ou numa sala de audiências, sem nunca se esquecer que a genialidade só pode ser reconhecida se no meio de toda a loucura o génio ainda for capaz de realizar que vive em sociedade. E por causa dela.

Os outros tornam os génios menos infelizes quando reconhecem a sua loucura. Sem dizê-lo. E ao tirarem partido dela, em cada instante, ainda quando não o reconhecem, ajudam a prolongá-la. A realização do génio passa por trazê-lo até à nossa dimensão. Até à ignorância. É nisso que está a genialidade. E só os que humildemente o aceitam conseguem atingir esse estatuto. Almost Blue.

(*) Contra tudo o que se poderia imaginar, Baker diz ter sido o momento em que guiou pela primeira vez o seu Alfa Romeo. Eu não vou tão longe, embora não possa deixar de sorrir."
in: AQUI:

domingo, 18 de agosto de 2019

Ary dos Santos_poema



de tão só continuas rapariga
violentada por uns inventada por outros
porém amante mãe amiga
erva sadia de milhões de potros

tu nunca nos traíste e se caíste
o mal nunca foi teu o mal foi nosso
deste sul deste poço
deste país pescoço
com orelhas de muco

não oiças nao te iludas nao te vendas
às rendas das aranhas. Tens no sangue
as invencíveis teias das piranhas

Ary dos Santos
Poema dedicado a Carolina Loff da Fonseca
in: Fotobiografia, Alberto Benfeita
extraído do livro Cartas Vermelhas, de
Ana Cristina Silva, Oficina do Livro, 2011

quarta-feira, 14 de agosto de 2019

Ao terceiro dia...

Com a devida vénia, AQUI as perguntas a que também eu gostaria de ver respondidas: 

"14 agosto 2019

será que alguém me pode explicar algumas coisas sobre a famosa greve?

Só mesmo a minha insularidade (ou talvez a bolha em que me movo) poderá explicar as minhas perplexidades perante a greve dos motoristas de camiões de matérias perigosas. Por favor, expliquem-me como se eu fosse uma estrangeirada de cinquenta anos:

1. É mesmo verdade que as pessoas que conduzem autênticas bombas pelas nossas estradas e pelo meio das nossas cidades têm um salário de base de 600 euros por mês?

2. É mesmo verdade que se aceita como prática normal que as pessoas que conduzem autênticas bombas nas nossas estradas e pelo meio das nossas cidades trabalhem entre 15 e 18 horas por dia?

3. Como é que se contam as horas extraordinárias? Como é que se chega a um período de 15 a 18 horas de trabalho diário que parece ser normal na profissão? Também são contadas as horas em que um condutor dorme num hotel, ou na cabine do camião? E as horas em que fica parado junto à auto-estrada a fazer horas até poder conduzir de novo? Quantas horas diárias é que, no total, um condutor pode conduzir realmente o seu veículo? Como é que se assegura que tem condições para descansar e se restabelecer, de modo a continuar a conduzir com segurança?

4. Porque é que as empresas não contratam mais condutores e não pagam um salário de base decente a cada um deles? O que impede estes motoristas de trabalharem apenas 8 horas por dia?

5. Será que estas condições de trabalho são impostas para conter os custos da distribuição? Se for esse o caso, parece-me que a preocupação está a ficar ultrapassada: a tendência futura será aumentar o preço dos combustíveis até eles reflectirem realmente todos os custos explícitos e implícitos - em particular os ligados à destruição ambiental - de modo a obrigar todos os agentes do sistema a inflectir as lógicas de produção, de transporte, e de mobilidade individual e nos processos de produção.

6. Qual é a margem de manobra de um governo perante um conflito destes entre patrões e assalariados?
- Deve o governo impor aos patrões tarifas e regras que constituam melhor garantia da segurança pública? (Ui, já estou a imaginar o coro de "PS = Estalinistas!" que se ia ouvir...)
- Ou deve simplesmente impor o cumprimento das regras existentes? Se bem entendi, neste momento já todos os motoristas esgotaram as horas extraordinárias que podiam fazer em 2019, pelo que seria de esperar que de agora até ao fim deste ano os transportes não sejam suficientes, uma vez que os condutores já só podem trabalhar 8 horas por dia.
- Se o governo não se tivesse metido no assunto, deixasse que o combustível pura e simplesmente esgotasse nos postos de abastecimento e deixasse o país à espera que patrões e assalariados se entendessem, não seria também acusado de incumprimento dos seus deveres perante o povo português?
(Perante as críticas ao governo que têm surgido de todos os lados, só me ocorre a história "O Velho, o Rapaz e o Burro". Todos têm razões, todos se sentem com razão - mas gostava muito de saber o que faria cada um deles se estivesse no lugar do António Costa, e como estaria preparado para se responsabilizar pelas consequências da sua decisão.)

7. Porque é que os jornalistas não nos explicam estas coisas essenciais, e nos gastam o tempo e a paciência com ruído alarmista que só serve para criar e alimentar polémicas e discórdias?

Helena Araújo"