terça-feira, 19 de novembro de 2019

José Mário Branco

DAQUI: e DALI  e... DAQUELOUTRO:

Até sempre!

Entre o sorriso e  
inquietação
vida espelhada 
humana condição
deste país
que em ti doeu
germinou
e fez-se voz
fez-se canção.

Das novas ilhas

foste vulcão e
da erupção nasceram
flores:
palavras musicadas 
que nos chegaram ao coração.

[a José Mário Branco]
lmc



25 de maio de 1942 - 19 de novembro de 2019

«Pela vaga de fundo se sumiu o futuro histórico da minha classe. No fundo deste mar encontrareis tesouros recuperados, de mim que estou a chegar do lado de lá para ir convosco: tesouros infindáveis que vos trago de longe e que são vossos, o meu canto e a palavra. O meu sonho é a luz que vem do fim do mundo, dos vossos antepassados que ainda não nasceram. A minha arte é estar aqui, convosco, e ser-vos alimento e companhia, na viagem para estar aqui de vez.
Sou português, pequeno-burguês de origem. Filho de professores primários. Artista de variedades. Compositor popular. Aprendiz de feiticeiro. Faltam-me dentes. Sou o Zé Mário Branco, 37 anos, do Porto: muito mais vivo que morto. Contai com isto de mim para cantar, e para o resto.» (FMI)
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Consolida, filho, consolida...

[FMI foi um texto com música que José Mário Branco gravou num espectáculo ao vivo em 1982 e que foi publicado na altura em maxi-single. Foi republicado em 1996 em cd, juntamente com o duplo álbum Ser Solid/tário. Já havia transcrições online, mas com muitos erros. Penso que a que fiz, baseada nas que já havia e ouvindo a gravação, deve ser a mais fiável até à data. A pontuação é, obviamente, discutível. Juntei uns links para ilustração das novas gerações.]


Vou... vou vos mostrar mais um pedaço da minha vida, um pedaço um pouco especial: trata-se de um texto que foi escrito assim, de um só jorro, numa noite de Fevereiro de 79, e que talvez tenha um ou outro pormenor que já não seja muito actual. Vou vos dar o texto tal e qual como eu o escrevi nessa altura, sem ter modificado nada, por isso vos peço que não se deixem distrair por esses pormenores que possam já não ser muito actuais e que isso não contribua para desviar a vossa atenção do que me parece ser o essencial neste texto.
Chama-se FMI.
Quer dizer Fundo Monetário Internacional.
Não sei por que é que se riem, é uma organização democrática dos países todos, que se reunem, com umas pessoas, em torno de uma mesa, para discutir os seus assuntos, e no fim tomar as decisões que interessam a todos... É o internacionalismo monetário!

FMI
Cachucho não é coisa que me traga a mim
Mais novidade do que lagostim
Nariz que reconhece o cheiro do pilim
Distingue bem o Mortimore do Meirim
A produtividade, ora aí está, quer dizer:
Há tanto nesta terra que ainda está por fazer
Entrar por aí dentro, analisar, e então
Do meu 'attaché-case' sai a solução

FMI Não há graça que não faça o FMI
FMI O bombástico de plástico pra si
FMI Não há força que retorça o FMI

Discreto e ordenado mas nem por isso fraco
Eis a imagem 'on the rocks' do cancro do tabaco
Enfio uma gravata em cada fato-macaco
E meto o pessoal todo no mesmo saco
A produtividade, ora aí está, quer dizer:
Não ando aqui a brincar! Não há tempo a perder!
Batendo o pé na casa, espanador na mão
É só desinfectar em superprodução

FMI Não há truque que não lucre ao FMI
FMI O heróico paranóico hara-kiri
FMI Panegírico, pró lírico daqui

Palavras, palavras, palavras e não só
Palavras para si, palavras para dó
A contas com o nada há que swingar o sol-e-dó
Depois a criadagem lava o pé e limpa o pó
A produtividade, ora nem mais:
celulazinhas cinzentas
Sempre atentas
E levas pela tromba se não te pões a pau
Um encontrão imediato do 3º grau

FMI Não há lenha que detenha o FMI
FMI Não há ronha que envergonhe o FMI
FMI ...

Entretém-te, filho, entretém-te, não desfolhes em vão este malmequer que bem-te-quer, mal-te-quer, vem-te-quer, ovomalte-quer-messe gigantesca, vem-te-bem, bem te vim, Vim-me na cozinha, vim-me na casa-de-banho, Vim-me no Politeama, vim-me no Águia D'ouro, Vim-me em toda a parte... Vem-te filho, vem-te comer ao olho, vem-te comer à mão, olha os pombinhos pneumáticos como te arrulham por esses cartazes fora, olha a música no coração da Indira Gandi, olha o Moshe Dayan que te traz debaixo de olho... O respeitinho é muito lindo, e nós somos um povo de respeito, né filho? Nós somos um povo de respeitinho muito lindo: saímos à rua de cravo na mão, sem dar conta de que saímos à rua de cravo na mão a horas certas, né filho? Consolida, filho, consolida: enfia-te a horas certas no casarão da Gabriela, que o malmequer vai-te tratando do Serviço Nacional de Saúde. Consolida, filho, consolida, que o trabalhinho é muito lindo, o teu trabalhinho é muito lindo, é o mais lindo de todos, como o Astro, não é filho? O cabrão do Astro entra-te pela porta das traseiras, tu tens um gozo do caraças, vais dormir entretido, não é? Pois claro: ganhar forças, ganhar forças para consolidar, para ver se a gente consegue num grande esforço nacional estabilizar esta desestabilização filha-da-puta, não é filho? Pois claro!
Estás aí a olhar para mim? Estás aí a ver-me dar 33 voltinhas por minuto, pagaste o teu bilhete, pagaste o teu imposto de transacção e estás a pensar lá com os teus zodíacos: «este tipo está-me a gozar! Este gajo quem é que julga que é?» Né filho? Pois não é verdade que tu és um herói desde que nasceste? A ti não é qualquer totobola que te enfia o barrete, meu grande safadote, hã? Meu Fernão Mendes Pinto de merda! Onde está o teu Extremo Oriente, filho? A-ni-ki-bé-bé, a-ni-ki-bó-bó, tu és Sepúlveda, tu és Adamastor. Pois claro: tu, sozinho, consegues enrabar as Nações Unidas com passaporte de coelho, não é filho? Mal eles sabem! Pois é: tu sabes o que é gozar a vida! Entretém-te, filho, entretém-te! Deixa-te de políticas, que a tua política é o trabalho! Trabalhinho, porreirinho da Silva! E salve-se quem puder, que a vida é curta e os santos não ajudam quem anda para aqui a encher pneus com este paleio de Sanzala em ritmo de pop-chula, não é filho?
A-one, a-two, a-one-two-three

FMI dida didadi dadi dadi da didi
FMI...

Camóniú, sanóvabiche!Camóne beibi, a ver se me comes! Camóne Luis Vaz, amanda-lhe com os decassílabos que eles já vão saber o que é meterem-se com uma nação de poetas! E zás: enfio-te o Manuel Alegre no Mário Soares! Zás: enfio-te o Ary dos Santos no Álvaro Cunhal! Zás: enfio-te a Natália Correia no Sá Carneiro! Zás: enfio-te o Zé Fanha no Acácio Barreiros! Zás: enfio-te o Pedro Homem de Melo no Parque Mayer, e acabamos todos numa sardinhada à Integralismo Lusitano, a estender o braço, meio Rolão Preto meio Steve McQueen, ok boss, tudo ok... Estamos numa porreira, meu, um trip fenomenal, proibido voltar atrás, viva a liberdade... né filho? Pois, irreversível, pois claro, irreversivelzinho, pluralismo a dar com um pau, nada será como dantes: agora todos se chateiam de outra maneira, né filho? Ora que porra! Deixa lá correr o marfil, homem, andas numa alta, pá, é assim mesmo, cada um a curtir a sua, podia ser tão porreiro, não é? Preocupações, crises políticas, pá! «A culpa é dos partidos, pá! Esta merda dos partidos é que divide a malta, pá!» «Pois, pá, é só paleio, pá, o pessoal não quer é trabalhar, pá! Razão tem o Jaime Neves, pá!» «Olha: deixaste cair as chaves do carro!» «Pois, pá!» «O que é essa orelha de preto que tens aí no porta-chaves?» «Epá, deixa-te disso, não desestabilizes, pá!» «Eh, faz favor: mais uma bica e um pastel de nata.» «Uma porra, pá, um autêntico desastre o 25 de Abril! Esta confusão, pá... a malta estava sossegadinha, a bica a 15 tostões, a gasosa a sete e coroa... Tá bem, essa merda da pide, pá, Tarrafais e o carago... mas no fim de contas quem é que não colaborava, hã? Quantos bufos é que não havia nesta merda deste país, hã? Quem é que não se calava? Quem é que arriscava coiro e cabelo, assim mesmo, o que se chama arriscar, hã? Meia dúzia de líricos, pá! Meia dúzia de líricos que acabavam todos a fugir para o estrangeiro!... Isto é tudo a mesma carneirada!» Oh sr. guarda venha cá – ah. Venha ver o que isto é – eh. O barulho que vai aqui – ih. O neto a bater na avó – oh. Deu-lhe um pontapé no cu, né filho?
Tu vais conversando, conversando, que ao menos agora pode-se falar - ou já não se pode? Ou já começaste a fazer a tua revisãozinha constitucional tamanho familiar, hã? Estás desiludido com as promessas de Abril, né? As conquistas de Abril! Eram só paleio a partir do momento que tas começaram a tirar e tu ficaste quietinho, né filho? E tu fizeste como o avestruz, enfiaste a cabeça na areia: «não é nada comigo, não é nada comigo», né? E os da frente que se lixem... E é por isso que a tua solução é não ver, é não ouvir, é não querer ver, é não querer entender nada: precisas de paz de consciência. Não andas aqui a brincar, né filho? Precisas de ter razão, precisas de atirar as culpas para cima de alguém, e atiras as culpas para os da frente, para os do 25 de Abril, para os do 28 de Setembro, para os do 11 de Março, para os do 25 de Novembro, para os do... que dia é hoje, hã?

FMI Dida didadi dadi dadi da didi
FMI...

Não há português nenhum que não se sinta culpado de qualquer coisa, não é filho? Todos temos culpas no cartório - foi isso que te ensinaram, não é verdade? «Esta merda não anda porque a malta, pá, a malta não quer que esta merda ande» - tenho dito. A culpa é de todos, a culpa não é de ninguém - não é isto verdade? Quer-se dizer: há culpa de todos em geral e não há culpa de ninguém em particular, hã? Somos todos muita bons no fundo, né? Somos todos uma nação de pecadores e de vendidos, né? Somos todos ou anti-comunistas ou anti-fascistas: estas coisas até já nem querem dizer nada, ismos para aqui, ismos para acolá, as palavras é só bolinhas de sabão, parole parole parole e o Zé é que se lixa, cá o pintas é sempre o mexilhão... Eu quero lá saber deste paleio, vou mas é ao futebol, pronto! Viva o Porto, viva o Benfica! Lourosa! Lourosa! Marrazes! Marrazes! Fora o árbitro! Gatuno! Qual gatuno, qual caralho! Razão tinha o Tonico de Bastos para se entreter, né filho? Entretém-te, filho, com as tuas viúvas e as tuas órfãs, que o teu delegado sindical vai tratando da saúde aos administradores; entretém-te, que o ministro do trabalho trata da saúde aos delegados sindicais; entretém-te, filho, que a oposição parlamentar trata da saúde ao ministro do trabalho; entretém-te, que o Eanes trata da saúde à oposição parlamentar; entretém-te, que o FMI trata da saúde ao Eanes. Entretém-te, filho! E vai para a cama descansado, que há milhares de gajos inteligentes a pensar em tudo neste mesmo instante, enquanto tu adormeces a não pensar em nada! Milhares e milhares de tipos inteligentes e poderosos, com computadores, redes de polícia secreta, telefones, carros de assalto, exércitos inteiros, congressos universitários, eu sei lá! Podes estar descansado que o Deng Xiao Ping está a tratar de ti com o Jimmy Carter; o Brejnev está a tratar de ti com o João Paulo II! Tudo corre bem, a ver quem se vai abotoar com os 25 tostões de riqueza que tu vais produzir amanhã nas tuas oito horas. A ver quem vai ser capaz de te convencer de que a culpa é tua e só tua se o teu salário perde valor todos os dias; vão te convencer de que a culpa é só tua se o teu poder de compra é como o rio de S. Pedro de Moel que se some nas areias em plena praia, ali a 10 metros do mar em maré cheia, e nunca consegue desaguar, de maneira que se possa dizer: «porra! Finalmente o rio desaguou!» Vão te convencer de que a culpa é só tua, e tu sem culpa nenhuma, estás tu a ver? Que tens tu a ver com isso, não é filho? Cada um que se vá safando como puder - é mesmo assim, não é? Tu fazes como os outros, fazes o que tens a fazer: votas à esquerda moderada nas sindicais; votas no centro moderado nas deputais; e votas na direita moderada nas presidenciais. Que mais querem eles? Que lhes ofereças a Europa no natal?! Era o que faltava! É assim mesmo, julgam que te levam de mercedes, toma: para safado, safado e meio, né filho? Nem para a frente nem para trás, «e eles que tratem do resto, os gatunos, que são pagos para isso», né? Claro! «Que se lixem as alternativas, para trabalho já me chega!» Entretém-te, meu anjinho, entretém-te, que eles são inteligentes, eles ajudam, eles emprestam, eles decidem por ti, decidem tudo por ti: se hás-de construir barcos para a Polónia ou cabeças de alfinete para a Suécia, se hás-de plantar tomate para o Canadá ou eucaliptos para o Japão... Descansa que eles tratam disso. Se hás-de comer bacalhau só nos anos bissextos ou hás-de beber vinho sintético de Alguidares-de-Baixo... Descansa, não penses em mais nada... que até neste país de pelintras se acha «normal haver mãos desempregadas» e se acha «inevitável haver terras por cultivar»... Descontrai, beibi, camóne, descontrai, afinfa-lhes o Bruce Lee, afinfa-lhes a macrobiótica, o biorritmo, o horoscópio, dois ou três ovniologistas, um gigante da ilha de Páscoa e uma Grace do Mónaco de vez em quando para dar as boas festas às criancinhas... Piramiza, filho, piramiza, antes que os chatos fujam todos para o Egipto, que assim é que tu te fazes um homenzinho, e até já pagas multa se não fores ao recenseamento. «Pois, pá, isto é um país de analfabetos, pá!» Dá-lhe no Travolta, dá-lhe no disco-sound, dá-lhe no pop-chula! Pop-chula pop-chula, ié, ié! Jó-ta-pi-men-ta-forever!
Quanto menos souberes a quantas andas, melhor para ti! Não te chega para o bife? Antes no talho do que na farmácia! Não te chega para a farmácia? Antes na farmácia do que no tribunal! Não te chega para o tribunal? Antes a multa do que a morte! Não te chega para o cangalheiro? Antes para a cova do que para não sei quem que há-de vir! Cabrões de vindouros, hã! Sempre a merda do futuro? E eu que me quilhe? Pois pá: sempre a merda do futuro, a merda do futuro, e eu, hã? Que é que eu ando aqui a fazer? Digam lá: e eu? José Mário Branco. 37 anos. Isto é que é uma porra! Anda aqui um gajo cheio de boas intenções, a pregar aos peixinhos, a arriscar o pêlo - e depois? É só porrada e mal viver, é? «O menino é mal-criado», «o menino é pequeno-burguês», «o menino pertence a uma classe sem futuro histórico»... Eu sou parvo ou quê? Quero ser feliz, porra! Quero ser feliz agora! Que se foda o futuro! Que se foda o progresso! Mais vale só do que mal acompanhado! Vá: mandem-me lavar as mãos antes de ir para a mesa, filhos da puta de progressistas do caralho da revolução que vos foda a todos! Deixem-me em paz, porra, deixem-me em paz e sossego! Não me emprenhem mais pelos ouvidos, caralho! Não há paciência, não há paciência! Deixem-me em paz, caralho, saiam daqui, deixem-me sozinho, só um minuto! Vão vender jornais e governos e greves e sindicatos e polícias e generais para o raio que vos parta! Deixem-me sozinho! Filhos da puta! Deixem-me só um bocadinho, deixem-me só para sempre! Tratem da vossa vida que eu trato da minha! Pronto, já chega! Sossego, porra! Silêncio, porra! Deixem-me só! Deixem-me só! Deixem-me só! Deixem-me morrer descansado! Eu quero lá saber do Artur Agostinho e do Humberto Delgado! Eu quero lá saber do Benfica e do bispo do Porto! Eu quero se lixe o 13 de Maio e o 5 de Outubro e o Melo Antunes e a rainha de Inglaterra e o Santiago Carrillo e a Vera Lagoa! Deixem-me só, porra, rua! Larguem-me! Desopila o fígado! Arreda! T’arrenego Satanás! Filhos da puta! Eu quero morrer sozinho, ouviram? Eu quero morrer! Eu quero que se foda o FMI! Eu quero lá saber do FMI! Eu quero que o FMI se foda! Eu quero lá saber que o FMI me foda a mim, eu vou mas é votar no Pinheiro de Azevedo se ele tornar a ir para o hospital, pronto! Bardamerda o FMI, o FMI é só um pretexto vosso, seus cabrões! O FMI não existe! O FMI nunca aterrou na Portela coisa nenhuma! O FMI é uma finta vossa para virem para aqui com esse paleio! Rua! Desandem daqui para fora! A culpa é vossa! A culpa é vossa! A culpa é vossa! A culpa é vossa! A culpa é vossa! A culpa é vossa...
Oh mãe! Oh mãe! Oh mãe! Oh mãe! Oh mãe... Oh mãe...

Mãe, eu quero ficar sozinho. Mãe, eu não quero pensar mais. Mãe: eu quero morrer, mãe. Eu quero desnascer: ir-me embora, sem sequer ter que me ir embora... Mãe, por favor... Tudo menos a casa em vez de mim; outro maldito que não sou senão este tempo que decorre entre fugir de me encontrar e me encontrar fugindo... De quê, mãe? Diz: são coisas que se me perguntem? Não pode haver razão para tanto sofrimento.

E se inventássemos o mar de volta? E se inventássemos partir, para regressar? Partir e aí, nessa viagem, ressuscitar da morte às arrecuas que me deste. Partida para ganhar, partida de acordar... Abrir os olhos, numa ânsia colectiva de tudo fecundar: terra, mar, mãe... Lembrar como o mar nos ensinava a sonhar alto. Lembrar, nota a nota, o canto das sereias. Lembrar o «depois do adeus» e o frágil e ingénuo cravo da Rua do Arsenal. Lembrar cada lágrima, cada abraço, cada morte, cada traição... Partir aqui, com a ciência toda do passado... Partir, aqui, para ficar.
Assim mesmo, como entrevi um dia, a chorar de alegria, de esperança precoce e intranquila, o azul dos operários da Lisnave a desfilar, gritando ódio apenas ao vazio, exército de amor e capacetes; assim mesmo na Praça de Londres o soldado lhes falou: «Olá, camaradas, somos trabalhadores, eles não conseguiram fazer-nos esquecer: aqui está a minha arma para vos servir.» Assim mesmo, por detrás das colinas onde o verde está à espera, se levantam antiquíssimos rumores, as festas e os suores, os bombos de Lavacolhos. Assim mesmo senti um dia, a chorar de alegria, de esperança precoce e intranquila, o bater inexorável dos corações produtores, os tambores.
«De quem é o carvalhal?» «É nosso!» - assim te quero cantar, mar antigo a que regresso.
Neste cais está arrimado o barco-sonho em que voltei. Neste cais eu encontrei a margem do outro lado, «Grândola Vila Morena».
Diz lá: valeu a pena a travessia? Valeu, pois.

Pela vaga de fundo se sumiu o futuro histórico da minha classe. No fundo deste mar encontrareis tesouros recuperados, de mim que estou a chegar do lado de lá para ir convosco: tesouros infindáveis que vos trago de longe e que são vossos, o meu canto e a palavra. O meu sonho é a luz que vem do fim do mundo, dos vossos antepassados que ainda não nasceram. A minha arte é estar aqui, convosco, e ser-vos alimento e companhia, na viagem para estar aqui de vez.
Sou português, pequeno-burguês de origem. Filho de professores primários. Artista de variedades. Compositor popular. Aprendiz de feiticeiro. Faltam-me dentes. Sou o Zé Mário Branco, 37 anos, do Porto: muito mais vivo que morto. Contai com isto de mim para cantar, e para o resto.

Ser solidário assim para além da vida
Por dentro da distância percorrida
Fazer de cada perda uma raiz
E, improvavelmente, ser feliz

De como aqui chegar não é mister contar
O que já sabe quem souber
O estrume em que germina a ilusão
Fecundará por certo esta canção

Ser solidário, sim, por sobre a morte
Que depois dela só o tempo é forte
E a morte nunca o tempo a redime
Mas sim o amor dos homens que se exprime

De como aqui chegar não vale a pena
Já que a moral da história é tão pequena
Que nunca por vingança eu vos daria
No ventre das canções sabedoria

Renaud - Mistral gagnant

letra

À m'asseoir sur un banc cinq minutes avec toi
Et regarder les gens tant qu'il en a
Te parler du bon temps qu'est mort ou qui reviendra
En serrant dans ma main tes petits doigts
Puis donner à bouffer à des pigeons idiots
Leur filer des coups d'pieds pour de faux
Et entendre ton rire qui lézarde les murs
Qui sait surtout guérir mes blessures
Te raconter un peu comment j'étais minot
Les bonbecs fabuleux
Qu'on piquait chez l' marchand
Car-en-sac et Minto, caramel à un franc
Et les Mistrals gagnants
À remarcher sous la pluie cinq minutes avec toi
Et regarder la vie tant qu'y en a
Te raconter la Terre en te bouffant des yeux
Te parler de ta mère un petit peu
Et sauter dans les flaques pour la faire râler
Bousiller nos godasses et s'marrer
Et entendre ton rire comme on entend la mer
S'arrêter, repartir en arrière
Te raconter surtout les Carambars d'antan et les Coco Boer
Et les vrais roudoudous qui nous coupaient les lèvres
Et nous niquaient les dents
Et les Mistrals gagnants
À m'asseoir sur un banc cinq minutes avec toi
Regarder le soleil qui s'en va
Te parler du bon temps qui est mort et je m'en fous
Te dire que les méchants c'est pas nous
Que si moi je suis barge, ce n'est que de tes yeux
Car ils ont l'avantage d'être deux
Et entendre ton rire s'envoler aussi haut
Que s'envolent les cris des oiseaux
Te raconter enfin qu'il faut aimer la vie
Et l'aimer même si
Le temps est assassin
Et emporte avec lui les rires des enfants
Et les mistrals gagnants
Et les mistrals gagnants.

Sente-se em um banco cinco minutos com você
À m'asseoir sur un banc cinq minutes avec toi

E observe as pessoas enquanto ele tiver
Et regarder les gens tant qu'il en a

Fale sobre o bom momento que está morto ou voltando
Te parler du bon temps qu'est mort ou qui reviendra

Segurando meus dedinhos na mão
En serrant dans ma main tes petits doigts

Então dê comida aos pombos idiotas
Puis donner à bouffer à des pigeons idiots

Chute-os por falso
Leur filer des coups d'pieds pour de faux

E ouça sua risada estalando nas paredes
Et entendre ton rire qui lézarde les murs

Quem sabe curar minhas feridas
Qui sait surtout guérir mes blessures

Conte um pouco sobre como eu era mineiro
Te raconter un peu comment j'étais minot

Os fabulosos bonbecs
Les bonbecs fabuleux

Que costuramos o comerciante
Qu'on piquait chez l' marchand

Car-in-Bag e Minto, Caramel em um franco
Car-en-sac et Minto, caramel à un franc

E os Mistrals vencedores
Et les Mistrals gagnants

Andar na chuva por cinco minutos com você
À remarcher sous la pluie cinq minutes avec toi

E assista a vida enquanto houver
Et regarder la vie tant qu'y en a

Te digo a Terra soprando seus olhos
Te raconter la Terre en te bouffant des yeux

Fale um pouco sobre sua mãe
Te parler de ta mère un petit peu

E pular em poças para fazê-la gemer
Et sauter dans les flaques pour la faire râler

Para estragar nossos sapatos e começar
Bousiller nos godasses et s'marrer

E ouça sua risada enquanto ouvimos o mar
Et entendre ton rire comme on entend la mer

Pare, volte
S'arrêter, repartir en arrière

Diga-lhe especialmente os Carambars do passado e o Coco Boer
Te raconter surtout les Carambars d'antan et les Coco Boer

E o verdadeiro barulho que corta nossos lábios
Et les vrais roudoudous qui nous coupaient les lèvres

E nós estávamos pregando nossos dentes
Et nous niquaient les dents

E os Mistrals vencedores
Et les Mistrals gagnants

Sente-se em um banco cinco minutos com você
À m'asseoir sur un banc cinq minutes avec toi

Veja o sol ir embora
Regarder le soleil qui s'en va

Falar sobre o bom momento morto e eu não ligo
Te parler du bon temps qui est mort et je m'en fous

Diga que os bandidos não somos nós
Te dire que les méchants c'est pas nous

Que se eu sou uma barcaça, é apenas com seus olhos
Que si moi je suis barge, ce n'est que de tes yeux

Porque eles têm a vantagem de serem dois
Car ils ont l'avantage d'être deux

E ouvir sua risada voar tão alto
Et entendre ton rire s'envoler aussi haut

O que os pássaros estão gritando
Que s'envolent les cris des oiseaux

Digo-lhe finalmente que devemos amar a vida
Te raconter enfin qu'il faut aimer la vie

E amá-lo, mesmo que
Et l'aimer même si

O tempo é assassino
Le temps est assassin

E leve com ele o riso das crianças
Et emporte avec lui les rires des enfants

E os mistrais vencedores
Et les mistrals gagnants

E os mistrais vencedores
Et les mistrals gagnants

Fonte: LyricFind
Compositores: Renaud Sechan
Letras de Mistral gagnant © Mino Music

sábado, 16 de novembro de 2019

Isabel Allende_Entrevista_Livro "Longa Pétala de Mar"

Isabel Allende: "A raiva acumulada no Chile explodiu agora e foi uma surpresa para o mundo"

in: Jornal "Dario de Noticias" 
João Céu e Silva 16 Novembro 2019 - 00:28

Em 1939, 2 mil espanhóis fugiram de Franco para o Chile num navio requisitado pelo poeta Pablo Neruda. A escritora Isabel Allende refaz a história e conta algumas das situações vividas pelos refugiados. E explica a crise atual do Chile.
Há vários anos que Isabel Allende não vem a Portugal, mas os leitores que a descobriram no seu primeiro romance, A Casa dos Espíritos, são aos milhares - o mesmo se passou em todo o mundo a partir desse ano de 1982 - e nunca a esqueceram. Após uma carreira literária que resultou em mais de 70 milhões de exemplares traduzidos em 42 países, a escritora está a lançar Longa Pétala de Mar e falou com o DN sobre o romance que, a exemplo dos dois anteriores, trata da dramática questão dos imigrantes e dos refugiados que fogem dos seus países devido a guerras que matam homens e crianças, a violações e a abusos de mulheres e meninas - através de um facto real: a história de dois mil espanhóis que estavam no lado derrotado da Guerra Civil de Espanha e foram levados num navio para o Chile em 1939.

O título do romance é um verso de Pablo Neruda, o responsável pela contratação do navio Winnipeg, e o poeta chileno também aparece enquanto personagem do livro. Nada que não tenha irritado as feministas chilenas, pois as características pessoais do "machista" Neruda desagradaram de imediato. Isabel Allende explica porque manteve a presença de um dos mais importantes poetas do seu país natal, bem como outras razões para ter escrito um romance sobre uma realidade que também vive desde que se tornou imigrante por razões de exílio familiar, estatuto que até hoje vive por residir nos EUA.

Este foi mais um romance começado num dia 8 de janeiro, data que se tornou um ritual para a escritora dar início aos seus livros: "Tornou-se uma questão de disciplina. Se não organizar a minha vida para ter tempo, paz e solidão para escrever, e não marcar um dia para começar, adiarei sucessivamente a escrita do romance."

Quanto a continuar a escrever em espanhol, Isabel Allende garante que assim é: "Só escrevo romances nesta língua. Até poderei escrever um discurso ou um ensaio em inglês, mas no que respeita à ficção é apenas em espanhol. Creio que a língua é como o sangue que corre em nós e todas as coisas importantes na vida acontecem-me em espanhol: sonho, rezo, cozinho e faço amor em espanhol. É tudo sempre em espanhol."

Nota-se que a escritora está feliz e que ri em vários momentos da entrevista, mesmo que ao comentar situações dramáticas dos imigrantes, por exemplo, acabe por chorar. A parte da felicidade explica facilmente: "Casei há três meses." Está tudo dito.Este romance é o mais recente passo de uma longa caminhada desde A Casa dos Espíritos. Tem sido um bom percurso?
Sim, posso dizer que tem sido muito bom. Escrevi 24 livros e sinto que contei muitas histórias que criaram uma grande ligação com os meus leitores, e de uma maneira que nunca esperei que acontecesse. Nem suspeitaria que tal pudesse vir a acontecer.

Este romance trata principalmente de refugiados e imigrantes. Era um tema que estava no seu plano?
Não estava, apesar de este tema dos refugiados estar no ar atualmente e ser um problema global. De qualquer modo, o meu interesse nesta questão não é de agora, já que os meus dois romances anteriores eram em função dos desalojados e dos imigrantes, dos que pedem asilo ou são refugiados.

Este é um tema próximo para uma mulher que já foi obrigada a mudar de país mais do que uma vez. Vê o mundo de uma forma mais clara?
Talvez tenha uma visão mais global do mundo porque viajo muito. Pessoalmente, sempre fui uma estrangeira: nasci no Peru, vivi no Chile, fui refugiada política após o golpe de Pinochet na Venezuela e agora sou imigrante nos Estados Unidos. Portanto, tenho sempre o sentimento de quase não pertencer a um lugar, estou sempre a recear que a qualquer momento a situação se altere e de ter de mudar de novo. No caso da tragédia dos refugiados, relaciono-me sempre a um nível emocional porque sou uma imigrante muito privilegiada: tenho documentos, vivo do meu trabalho, tenho uma família, uma fundação... A minha fundação trabalha com imigrantes que estão numa situação desesperada, pessoas que vêm da Nicarágua, de El Salvador ou da Guatemala, que fogem de gangues, de cartéis de droga, dos governos, de polícias e militares corruptos; pessoas que perderam a vida onde moravam e que vêm para os EUA e são paradas na fronteira em condições desumanas e colocam-lhes os filhos em jaulas. Isto é uma vergonha, mas está a acontecer e eu não sou capaz de aceitar esta situação.

A sua fundação não tem que ver com a situação das mulheres e o seu empoderamento?
Sim, esse era o primeiro grande objetivo da fundação, no entanto, como 80% dos refugiados no mundo são mulheres e crianças, é preciso agir. Antes eram os homens que imigravam para achar trabalho, agora são famílias inteiras, além de que muitas mulheres foram violadas e exploradas. Muitas vezes até são mortas ou desaparecem, e ninguém quer saber o que lhes aconteceu. Não são importantes.

Sente-se como imigrante também?
Eu sou uma imigrante, mas posso estar nos EUA sem problemas porque vivo lá há mais de 30 anos e tornei-me cidadã americana ao casar com um americano. O que não me impede de ver o que sofrem, de viverem com medo de ser deportados dos Estados Unidos.

Esta era Trump é também um perigo para os próprios americanos?
Estou certa de que este é um tempo terrível, mas irá passar porque já vivi o suficiente - tenho 77 anos - para saber que as situações aparecem e desaparecem. A mudança é da natureza da vida e do mundo! Tivemos 17 anos de ditadura no Chile, onde tudo era controlado pelos militares e parecia não haver esperança, mas tudo sempre terá um fim. Penso que esta era Trump é terrível para os EUA, deixará cicatrizes profundas na sociedade dividindo-a, criando ódios, racismo e misoginia, mas irá passar.


Isabel Allende.© Lori Bara

Os tempos no Chile também estão perigosos. Esperava esta turbulência no seu país?
Não. O Chile aparecia como o país mais estável da América Latina e era o paraíso deste continente a nível político, económico e de estabilidade. No entanto, essas estatísticas não mostram a ausência da distribuição da riqueza. Tem havido realmente mais criação de riqueza e desenvolvimento, mas apenas para algumas pessoas. Mais de 40% da população não pode pagar os serviços de água, eletricidade, saúde, educação e transportes, vive de crédito. Se for a um supermercado no Chile comprar comida para as refeições do dia, os estabelecimentos oferecem o poder pagar em três prestações com juros. O que se passa é que a maioria da população não está representada politicamente e ainda vive sob uma Constituição não democrática imposta por Pinochet em 1998. Esta raiva acumulada ao longo dos anos explodiu agora e foi uma surpresa para os políticos chilenos e para o mundo porque ninguém esperava a expressão dessa raiva.


"Não tenho um plano e não sei o que irei escrever no próximo ano. Começo a sentir nascer qualquer coisa na minha barriga e não no cérebro e essa sensação é que me traz a inspiração"

Uma crise que afeta a maior parte da América Latina, pois a Bolívia, a Venezuela e o Brasil também estão em ebulição.
Creio que tem que ver com o sistema económico que vigora no continente. Existia a ideia de que um sistema económico liberal criaria prosperidade e desenvolveria a iniciativa empresarial, que a concentração da riqueza não era um problema porque de alguma forma seria distribuída pela população - só que isso não aconteceu. Tal como não aconteceu nos EUA, onde 400 pessoas dominam a maioria da riqueza americana, fazendo que a classe média [a trabalhadora] não melhore as suas condições de vida.

Os seus três últimos romances têm que ver com situações de refugiados. Faz parte de um plano, ou simplesmente aconteceu?
Foi por acaso. Não tenho um plano e não sei o que irei escrever no próximo ano. Começo a sentir nascer qualquer coisa na minha barriga e não no cérebro e essa sensação é que me traz a inspiração. Habitualmente, tem que ver com qualquer coisa que está a acontecer no mundo, que não precisa de ser nesse momento, mas que sinto estar madura o suficiente para escrever sobre ela.

Os protagonistas Roser e Victor têm uma história tão complexa que daria para um segundo ou mais romances. Vai ficar por este?
O Victor foi inspirado por um amigo meu, Victor Pey, que me contou a história dos passageiros do Winnipeg porque foi um deles. Chegou ao Chile em 1939, viveu ali muitos anos e, quando houve o golpe militar em 1973, teve de voltar a exilar-se na Venezuela. Foi lá que o conheci, há 40 anos, e tenho trazido a sua história dentro de mim durante todo este tempo. Agora escrevi-a, depois de o questionar sobre muitos detalhes que nunca apareceram em livros de história, como os dos campos de concentração, das prisões, os exílios, do navio, e ele ajudou-me a criar o romance. Infelizmente, morreu seis dias antes de terminar o manuscrito. Ele tinha 103 anos e estava muito lúcido, mas com a sua morte acho que não serei capaz de voltar a escrever sobre ele.

Este romance é mais ficção ou realidade?
Há muita ficção, mas não tanto assim, porque os acontecimentos históricos são verdadeiros e os protagonistas são baseados em pessoas de verdade. Roser existiu mesmo, foi pianista e reitora de uma escola de música.

Isabel Allende com a capa do livro da edição espanhola.

Começa com uma personagem masculina, mas a maioria das importantes irão ser mulheres...
No entanto, há um casal que tem a particularidade de ver o mundo a partir de diferentes perspetivas e com uma história de amor muito interessante: começa com um casamento por conveniência, cresce numa amizade durante muitos anos e um dia descobrem, porque um deles pode morrer, que estão perdidamente apaixonados. Portanto, é o contrário das histórias de amor, onde primeiro apaixonam-se perdidamente, depois são amigos e no fim vivem um casamento de conveniência.

Este romance inspirará mulheres a lutar por uma vida própria e pelo que têm direito?
Não podemos generalizar porque depende das pessoas, também não pretendo passar uma mensagem ou querer mudar certas mulheres por colocar certas ideias nos livros - apenas conto histórias. O que me interessa são homens e mulheres que se confrontam com grandes obstáculos nas suas vidas e conseguem ultrapassá-los sem perder a compaixão e a capacidade para serem alegres e amar. Não preciso de as inventar porque quando olho à minha volta muitas das mulheres com quem trabalho na fundação são pessoas assim. Algumas ultrapassaram verdadeiras tragédias, foram violadas ou raptadas, perderam os filhos, e mesmo assim continuaram a viver e continuam a ser capazes de cantar e dançar. Isso é fantástico.


"Quando García Márquez crescia não podia ler os autores latino americanos porque eles não eram vendidos no seu pais"

Uma das personagens principais é o poeta Pablo Neruda. Não se preocupou com a reação bastante crítica dos movimentos feministas chilenos?
Sem a sua ideia e trabalho, a viagem do Winnipeg nunca teria acontecido, nem estas duas mil pessoas teriam chegado ao Chile, Penso que Pablo Neruda deve ser olhado de forma separada entre o seu comportamento em vida com as mulheres e o seu trabalho enquanto criador. Se não o fizermos, então teríamos de julgar o trabalho de todos os artistas, cientistas, filósofos, etc., e separar as pessoas do que criaram não funciona, ou teríamos de eliminar metade da cultura mundial.

Mas as feministas não pensam assim e querem justiça seja em que época for.
É verdade e compreendo esse desejo de as feministas mais novas quererem fazer uma revisão da história do ponto de vista feminista. Isso faz parte do processo, mas sei que estes julgamentos irão longe e voltarão atrás de novo até se encontrar um ponto de equilíbrio. Haverá uma altura em que ainda julgaremos Neruda porque violou uma mulher e pelas questões com a filha, mas não podemos esquecer quão grande poeta ele era nem a sua poesia.

Pertence à primeira geração de escritores latino-americanos que foram influenciados por outros escritores latino-americanos e não por estrangeiros. Qual foi a influência?
É verdade que quando García Márquez crescia não podia ler os autores latino-americanos porque eles não eram vendidos no seu pais. No Chile era difícil ler autores do México ou da Argentina, como Borges. Tudo isso mudou quando uma editora de Barcelona começou a publicar escritores latino-americanos e exportava livros para a América Latina, criando o boom da nossa literatura e mostrando ao mundo que esse movimento era um coro com muitas vozes.

Quando publicou A Casa dos Espíritos havia muitas mulheres a escrever na América Latina?
Sim. Mas a sua escrita não era respeitada nem era considerada como a dos homens. Na verdade, elas sempre escreveram, mas as suas vozes foram silenciadas, tanto que quando publiquei esse primeiro livro, e como foi um sucesso na Europa, as pessoas queria ler também livros de outras mulheres. Então, começaram a dizer que eu não pertencia ao boom, que este era só de homens, que eu era pós-boom. Desde então, muitas outras mulheres foram publicadas e também com sucesso, afinal, as mulheres leem mais ficção do que os homens e queriam ler livros escritos por mulheres. Principalmente porque mostravam o mundo sob uma perspetiva feminina e não, como estamos acostumados, ver o mundo sob o olhar masculino.

É a primeira vez que fala da Guerra Civil Espanhola...
... Sim, porque a história o exigia e eu tinha de explicar por que razões as minhas personagens tinham abandonado o seu país. O meu objetivo não é retratar a Guerra Civil, mas o que aconteceu com os refugiados do Winnipeg no Chile, só que era impossível não referir o conflito para o conseguir. E não escrevi antes porque não sou espanhola e há muitos deles a escrever sobre este tema. Atualmente, ainda saem dezenas de investigações todos os anos sobre a Guerra Civil, o que mostra que continua a haver muitos leitores interessados no tema. Muitos destes escritores têm pais ou avós que estiveram na guerra, o que a torna muito presente, portanto não vejo motivo para interferir num assunto que eles conhecem muito melhor.

Era fundamental entrevistar sobreviventes dessa viagem?

Completamente. Já escrevi vários romances históricos e alguns são tão no passado que é difícil ou impossível encontrar um testemunho pessoal, antes é preciso consultar cartas ou diários, porque não ouvimos a voz real dessas pessoas. Neste caso, alguns dos passageiros ainda estão vivos, como algumas crianças que viajaram e que ainda se lembram do que viveram.

Esses testemunhos reais não complicaram a escrita do livro?
Não, pelo contrário, ficou mais fácil porque nos dão o sentimento do que aconteceu e não existe uma distância como a dos livros de história, além de que é sempre uma voz masculina que conta a história e são sempre os vencedores a relatá-la. Onde estão os derrotados, as mulheres, as crianças e as vítimas? São essas que me interessam mais.
Longa Pétala de Mar

Isabel Allende
Porto Editora
391 páginas

quarta-feira, 13 de novembro de 2019

Aldina Duarte_Vendaval e Rosa Enjeitada ·





Vendaval · Aldina Duarte
Álbum: Roubados 
℗ 2019 SME Portugal, Sociedade Unipessoal, Lda.

Composer: Joaquim Pimentel
Guitar: Paulo Parreira 
Viola: Rogério Ferreira 
Mixing Engineer, Recording Engineer: Joaquim Monte

letra
O vendaval passou nada mais resta
A nau do meu amor tem novo rumo
Igual a tudo aquilo que não presta
O amor que me prendeu desfez-se em fumo

Navego agora em mar de calmaria
Ao sabor da maré em verdes aguas
Ao leme o esquecimento e a alegria
Vai deixando para trás as minhas mágoas

Para onde vou? Não sei
O que farei? Sei lá
Só sei que me encontrei
E que sou eu em fim
E sei que ninguém mais rirá de mim

Longe no cais ficou a tua imagem
Mal a distingo já, desmaicida
Comigo a alegrarem-me a viagem
Vão andorinhas de paz de nova vida

Sigo tranquilo, rumo da esperança
Buscando aquela paz apetecida
Para ti eu fui um lago de bonança
Ai e tu um vendaval na minha vida




Rosa Enjeitada · Aldina Duarte · Antonio Zambujo 
Roubados 
℗ 2019 SME Portugal, Sociedade Unipessoal, Lda.
Released on: 2019-11-01 
Associated Performer: Aldina Duarte feat. António Zambujo 
Guitar: Paulo Parreira 
Composer: José Galhardo 
Viola: Rogério Ferreira 
Composer: Raul Ferrão 
Mixing Engineer, Recording Engineer: Joaquim Monte

letra
Sou essa rosa, caprichosa, sem ser má
Flor de alma pura e de ternura ao Deus dará
Que viu um dia, que sentia um grande amor
E de paixão o coração estalar de dor
Rosa enjeitada
Sem mãe sem pão sem ter nada
Que vida triste e chorada
O teu destino te deu
Rosa enjeitada
Rosa humilde e perfumada
Afinal desventurada quem és tu?
Rosa enjeitada
Uma mulher que sofreu
Tão pobrezinha…

[versão integral]
Sou essa rosa, caprichosa, sem ser má
Flor de alma pura e de ternura ao Deus dará
Que viu um dia, que sentia um grande amor
E de paixão o coração estalar de dor

Rosa enjeitada
Sem mãe sem pão sem ter nada
Que vida triste e chorada
O teu destino te deu
Rosa enjeitada
Rosa humilde e perfumada
Afinal desventurada quem és tu?
Rosa enjeitada
Uma mulher que sofreu

Tão pobrezinha que ainda tinha uma afeição
Alguém que amava e que sonhava uma ilusão
Mas esse alguém por outro bem se apaixonou
E assim fiquei sem ele que amei e me enjeitou

segunda-feira, 11 de novembro de 2019

Bernardo Sassetti Trio - Historia de un Amor


Bernardo Sassetti Trio - Historia de un Amor [Canção Nr. VI] Songwriter - Carlos Eleta Almarán Album - Motion Year Released - 2010 Record Label - Clean Feed Records Personnel: Bernardo Sassetti - piano; Carlos Barretto - bass; Alexandre Frazão - drums


Teresa Tarouca_ 1942/2019

In Memoriam




Morreu a fadista Teresa Tarouca

Cantora tinha 77 anos e estava internada no Hospital São Francisco Xavier, devido a uma pneumonia dupla
2019-11-11 11:44/ AG





A fadista Teresa Tarouca morreu esta segunda-feira de madrugada, no Hospital S. Francisco Xavier, em Lisboa, aos 77 anos, vítima de pneumonia dupla, disse à agência Lusa fonte próxima da família.

O corpo de Teresa Tarouca estará em câmara ardente a partir das 19:00 na Basílica da Estrela, em Lisboa, estando o funeral marcado para terça-feira, segundo a funerária Servilusa.

No local onde decorre o velório, haverá, pelas 10:30 de terça-feira, uma missa de corpo presente, seguindo depois o funeral para o Crematório do Cemitério dos Olivais, também em Lisboa.

Nascida em janeiro de 1942, Teresa de Jesus Pinto Coelho Telles da Silva adotou o nome artístico de Teresa Tarouca, indo buscar um velho apelido de família.



“Testamento”, na década de 1960, “Mouraria”, “Deixa que te cante um fado”, “Saudade, silêncio e sombra”, “Meu bergantim”, “O resineiro”, "Fado, dor e sofrimento", "Passeio à Mouraria", "Ora bate, bate" contam-se entre os sucessos de Teresa Tarouca.


Oriunda de uma família ligada à música – é prima de Frei Hermano da Câmara e prima afastada de Maria Teresa de Noronha –, Teresa Tarouca começou a cantar aos 11 anos em espetáculos de beneficência, o que levou especialistas em música a considerarem-na a “menina-prodígio” da década de 1950.

No fado, estreou-se aos 13 anos, no Salão dos Bombeiros de Oeiras, tendo em 1958 recebido o Óscar da Imprensa, segundo o ‘site’ do Museu do Fado.

Em 1962, assinou o primeiro contrato de gravação, com a então editora RCA, e, em 1964, recebeu o prémio da Imprensa, ou Prémio Bordalo, na categoria Fado.

Cantou poemas e músicas de fados clássicos de autores como António de Bragança, João de Noronha, Alfredo Marceneiro, Pedro Homem de Mello, Francisco Viana, Maria Manuel Cid, Casimiro Ramos, João de Noronha, Nuno de Lorena João Ferreira-Rosa, Alda Lara, entre outros.


Teresa Tarouca foi a primeira fadista a cantar Fernando Pessoa.

Em 1973 foi convidada para o Festival RTP da Canção, em cuja primeira parte interpretou “Cai chuva do céu cinzento”, fado que criou com letra do autor de “Mensagem”.

Durante a sua carreira artística, a fadista apresentou-se em palcos de vários países, nomeadamente, Dinamarca, Bélgica, Espanha, Estados Unidos da América, Brasil e em Macau.

Em 1989, foi editado o disco “Tereza Tarouca canta Pedro Homem de Mello”, trabalho considerado emblemático na carreira da fadista.

Em maio de 1994 comemorou os 33 anos de carreira no Teatro Tivoli, em Lisboa, tendo continuado a cantar com regularidade.

Em 1996, atuou no Coliseu dos Recreios, em Lisboa, e em 2003, no restaurante e casa de fados “Velho Páteo de Sant´Ana”, em Lisboa, onde foi fadista residente.

Em 1997, participou como "Atração de Fado" na revista “Preço Único”, no Teatro ABC, ao Parque Mayer, e, um ano depois, participou no musical “Fado… Esse malandro vadio”, de João Núncio com encenação de Francisco Horta.


Em junho de 2013, o então Presidente da República Cavaco Silva atribuiu-lhe o grau de comendadora da Ordem do Infante D. Henrique.

A última atuação de Teresa Tarouca em público data de outubro de 2013, durante a VIII Gala Amália, no Teatro S. Luiz, em Lisboa, recebeu o Prémio Amália de Carreira.

in: TVI24

quinta-feira, 7 de novembro de 2019

Jazz_Charles Lloyd

"às vezes a vida lembra que ainda há beleza neste mundo"


Charles Lloyd & The Marvels with Bill Frisell - 2016-01-30 set 2 - Lincoln Center, New York, NY

terça-feira, 5 de novembro de 2019

Carole Cadwalladr_ Brexit

O papel do Facebook no Brexit — e a ameaça à democracia


"Numa palestra imperdível, a jornalista Carole Cadwallard aborda um dos acontecimentos mais desconcertantes da actualidade: a votação super renhida para a saída do Reino Unido da União Europeia. Investigando os resultados até chegar a uma imensidão de anúncios falaciosos no Facebook, dirigidos a eleitores indecisos e vulneráveis — e ligando os mesmos jogadores e as mesmas táticas às eleições presidenciais dos EUA em 2016 — Cadwalladr acusa os "deuses de Silicon Valley" de estarem do lado negro da história e pergunta: Serão as eleições justas e livres uma coisa do passado?

In an unmissable talk, journalist Carole Cadwalladr digs into one of the most perplexing events in recent times: the UK's super-close 2016 vote to leave the European Union. Tracking the result to a barrage of misleading Facebook ads targeted at vulnerable Brexit swing voters -- and linking the same players and tactics to the 2016 US presidential election -- Cadwalladr calls out the "gods of Silicon Valley" for being on the wrong side of history and asks: Are free and fair elections a thing of the past?" in: https://www.ted.com/