terça-feira, 8 de outubro de 2019

Adília César_ dois poemas


SE FOSSE INVULGAR A OPRESSÃO
esse espírito de vidro
caminharia descalço e desconcertado.

Lá fora a ternura adormece
e tu sais pela porta dos fundos. Ninguém te segue.
Outros sentidos são matéria molhada
pegadas no meu peito recolhido.

Não chores
não corporizes outras tristezas descampadas
sítios que se partem por dentro dos ossos.

É tão banal a dor, essa bengala quebradiça
essa partida sem dizer adeus.

Fica
e falar-te-ei de amor.


NOS MAPAS DE OUTRORA
os arrepios não faziam sentido
nem dentro da cabeça nem fora do coração
pois todas as flores se extinguiram
e o metal derretido ocupou o espaço vazio.

Cambaleiam caules negros e corolas fundentes
em fila indiana sinuosa. Esforçam-se por cair
nas tuas mãos mornas de esposa nobre e fiel.

Os teus dedos a tamborilar nas alianças das viúvas.
Os teus silêncios eróticos.

Mas é nas mãos da neve que gelas subitamente
e és de novo anónima na persistência do frio.

.....

Adília César reside em Faro. Exerce actividade profissional como educadora de infância e formadora no âmbito da Didáctica das Expressões Artísticas, sendo Mestre em Teatro e Educação pela Universidade do Algarve. Publicou livros de poesia: O que se ergue do fogo (2016); Lugar-Corpo (2017); e O Tempo O Tempo (2019). Tem colaborações dispersas, nomeadamente: LÓGOS – Biblioteca do Tempo, Eufeme, Piolho, Estupida, Debaixo do Bulcão, Enfermaria 6, Nervo, Nova Águia, Iberis, Gazeta de Poesia Inédita, Pa_lavra, A Bacana, Caliban e Tlön, além de ensaios e artigos de opinião. É co-coordenadora da revista literária LÓGOS – Biblioteca do Tempo.

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