segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Crónica de Solange



Crónica de Solange



Vinda de Angola













Somos o povo especial escolhido do Sr.Engenheiro.


E como povo especial escolhido por ele, não temos água nem luz na cidade. Temos asfalto cada dia mais esburacado ..
Os que, de entre nós,vivem na periferia, não têm nada . Nem asfalto. Só miséria, lixo, mosquitos, águas paradas. Hospitais?!!! Nem pensar. O povo especial não precisa .. Não adoece. Morre apenas sem saber porquê. E quando se inaugura um hospital bonito e ficamos com a esperança de que as coisas vão mudar minimamente, descobre-se que as máquinas são chinesas , com manuais chineses sem tradução e que ninguém sabe operá-las...
Estas são opções especiais para um povo especial.
Educação?!! O povo especial não precisa. Cospe-se na rua ( e agora com os chineses, temos que ter cuidado para não caminharmos sobre escombros escarrados de fresco...), vandalizam-se costumes, ignoram-se tradições.
Escolas para quê e para ensinar o quê?!! Que o sr.engenheiro é um herói porque fugiu ali algures da marginal acompanhado de outros tantos magníficos?!!!
Que a Deolinda Rodrigues morreu num dia fictício que ninguém sabe qual mas nada os impediu de transformar um dia qualquer em feriado nacional?!!!!
O embuste da história recente de Angola é tão completo e manipulado que até mesmo eles parecem acreditar nas mentiras que inventaram...
Se incomodarmos o sr. engenheiro de qualquer forma, sai a guarda pretoriana
dele e nós ficamos quietos a vê-los barrar ruas anarquicamente sem nos deixar alternativas para chegarmos a casa ou aos empregos.
O povo especial nem precisa ir trabalhar se resolvem fechar as ruas.
Se saírmos para almoçar e eles bloqueiam as ruas sem qualquer explicação, só temos uma hipótese : como povo especial não precisa de comer ,dá-se meia volta de barriga vazia e volta-se para o emprego.
E isto quando não ficamos horas parados à espera que o sr.engenheiro e sua comitiva recolham aos seus lares e nos deixem, finalmente circular.



Entramos em casa às escuras e saímos às escuras. Tomamos banho de caneca.
Sim, bem à moda do velho e antigo regime do MPLA-PT do século passado.


Luanda, que ainda resiste a tantos maus-tratos e insiste em conservar os vestígios da sua antiga beleza, agora é violentada pelos chineses, sodomizada sistematicamente dia e noite. Está exaurida; de rastos, de cócoras diante dos novos "amigos" do sr.engenheiro. Eles dão-se, inclusive, ao luxo de erguerem dois a três restaurantes chineses numa mesma rua.
A ilha do Cabo tem mais restaurantes chineses que qualquer outra rua de qualquer outra cidade ocidental ou africana : CINCO!!!! A China Town instalada em Luanda.
As inscrições que colocam nos tapumes das obras em construção, admirem-se, estão escritas na língua deles. Eles são os novos senhores. Os amigos do sr.engenheiro. A par do Sr. Falcone... a este foi-lhe oferecido um cargo e passaporte diplomático.



Aos outros, que andam aos bandos, é-lhes oferecido a carne fresca das nossas meninas. Impunemente. Alegremente. Com o olhar benevolente dos canalhas de fato e gravata.


Lá fora, no mundo civilizado sem povos especiais, caçam os pedófilos. Aqui, criam e estimulam pedófilos. Acham graça.


Qualidade de vida é coisa que o povo especial nem sabe o que é. Nem quantidade de vida, uma vez que morremos cedo, assim que fazemos 40 anos.


Se vivermos mais um pouco, ficamos a dever anos à cova, pois não nos é permitida essa rebeldia.



E quem dura mais tempo, é castigado : ou tem parentes que cuidem ou vai para a rua pedir esmola!


Importam-se carros. E mais carros. De luxo. Esta é a imagem de marca deles: carros de luxo em estradas descartáveis, esburacadas. Ah... e telemóveis!!!! Qualquer Prado ou Hummer tem que levar ao volante um elemento com telemóvel.



Lá fora, no mundo civilizado sem povos especiais, é proibido o uso do telemóvel enquanto se conduz.


Aqui é sinal de status, de vaidade balofa!!!!!!!!!!
Pobre povo especial. Sem transportes, sem escolas, sem hospitais. À mercê dos candongueiros, dos "dirigentes" e dos remédios que não existem. Sem perspectivas de futuro.
Os nossos "amanhãs" já amanhecem a gemer: de fome, de miséria, de subnutrição, de ignorância, de analfabetismo , de corrupção, de incompetência, de doenças antes erradicadas , de ira contida, de revolta recalcada.


O grito está latente. Deixem-no sair : BASTA!!!!!!

Solange
Residente em Angola



"Fiz um acordo de coexistência pacífica com o tempo: nem ele me persegue, nem eu fujo dele, um dia a gente se encontra"

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