sábado, 25 de abril de 2020

Graça Pires_ As minhas mãos se dão

As minhas mãos se dão

25.4.20




Aqui, onde o coração reclama uma pátria melhor,
volto ao lugar das palavras que nunca calei,
por saber que o silêncio se articula na errância
da voz e que nele cabe a solidária multidão
que ama, por inteiro, a liberdade.
A boca sabe-me, inesperadamente, a sangue,
em nome daqueles que desistiram do sonho,
sem remorsos, à margem da esperança.
Tardei a encontrar o exótico perfume,
com que alucinei os dias e as noites,
onde, de um trago só, bebi a própria sede,
guardada no barro da memória.
Agora, sou dos que medem o desassossego
dos lábios, pelo silente sobrevoar dos pássaros,
rente à coragem ou às lágrimas.
As minhas mãos se dão, com a inquieta força
de quem vive ancorado ao fascínio de ter no olhar
um horizonte tão livre, tão límpido,
como a luz transfigurada das manhãs.

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