Pai
Pai, dizem-me que ainda
te chamo, às vezes, durante
o sono - a ausência não
te apaga como a bruma
sossega, ao entardecer,
o gume das esquinas. Há nos
meus sonhos um
território suspenso de toda a dor,
um país de verão aonde
não chegam as guinadas da
morte e todas as conchas
da praia trazem pérola. Aí
nos encontramos, para
dizermos um ao outro aquilo
que pensámos ter,
afinal, a vida toda para dizer; aí te
chamo, quando a luz me
cega na lâmina do mar, com
lábios que se movem como
serpentes, mas sem nenhum
ruído que envenene as
palavras: pai, pai. Contam-me
depois que é deste lado
da noite que me ouvem gritar
e que por isso me
libertam bruscamente do cativeiro
escuro desse sonho. Não
sabem
que o pesadelo é a vida
onde já não posso dizer o teu
nome - porque a memória
é uma fogueira dentro
das mãos e tu onde estás
também não me respondes.
Maria do Rosário
Pedreira
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