Isabel Allende: "A raiva acumulada no Chile explodiu agora e foi uma surpresa para o mundo"
in: Jornal "Dario de Noticias"
João Céu e Silva 16 Novembro 2019 - 00:28
Em 1939, 2 mil espanhóis fugiram de Franco para o Chile num navio requisitado pelo poeta Pablo Neruda. A escritora Isabel Allende refaz a história e conta algumas das situações vividas pelos refugiados. E explica a crise atual do Chile.
Há vários anos que Isabel Allende não vem a Portugal, mas os leitores que a descobriram no seu primeiro romance, A Casa dos Espíritos, são aos milhares - o mesmo se passou em todo o mundo a partir desse ano de 1982 - e nunca a esqueceram. Após uma carreira literária que resultou em mais de 70 milhões de exemplares traduzidos em 42 países, a escritora está a lançar Longa Pétala de Mar e falou com o DN sobre o romance que, a exemplo dos dois anteriores, trata da dramática questão dos imigrantes e dos refugiados que fogem dos seus países devido a guerras que matam homens e crianças, a violações e a abusos de mulheres e meninas - através de um facto real: a história de dois mil espanhóis que estavam no lado derrotado da Guerra Civil de Espanha e foram levados num navio para o Chile em 1939.
O título do romance é um verso de Pablo Neruda, o responsável pela contratação do navio Winnipeg, e o poeta chileno também aparece enquanto personagem do livro. Nada que não tenha irritado as feministas chilenas, pois as características pessoais do "machista" Neruda desagradaram de imediato. Isabel Allende explica porque manteve a presença de um dos mais importantes poetas do seu país natal, bem como outras razões para ter escrito um romance sobre uma realidade que também vive desde que se tornou imigrante por razões de exílio familiar, estatuto que até hoje vive por residir nos EUA.
Este foi mais um romance começado num dia 8 de janeiro, data que se tornou um ritual para a escritora dar início aos seus livros: "Tornou-se uma questão de disciplina. Se não organizar a minha vida para ter tempo, paz e solidão para escrever, e não marcar um dia para começar, adiarei sucessivamente a escrita do romance."
Quanto a continuar a escrever em espanhol, Isabel Allende garante que assim é: "Só escrevo romances nesta língua. Até poderei escrever um discurso ou um ensaio em inglês, mas no que respeita à ficção é apenas em espanhol. Creio que a língua é como o sangue que corre em nós e todas as coisas importantes na vida acontecem-me em espanhol: sonho, rezo, cozinho e faço amor em espanhol. É tudo sempre em espanhol."
Nota-se que a escritora está feliz e que ri em vários momentos da entrevista, mesmo que ao comentar situações dramáticas dos imigrantes, por exemplo, acabe por chorar. A parte da felicidade explica facilmente: "Casei há três meses." Está tudo dito.Este romance é o mais recente passo de uma longa caminhada desde A Casa dos Espíritos. Tem sido um bom percurso?
Sim, posso dizer que tem sido muito bom. Escrevi 24 livros e sinto que contei muitas histórias que criaram uma grande ligação com os meus leitores, e de uma maneira que nunca esperei que acontecesse. Nem suspeitaria que tal pudesse vir a acontecer.
Este romance trata principalmente de refugiados e imigrantes. Era um tema que estava no seu plano?
Não estava, apesar de este tema dos refugiados estar no ar atualmente e ser um problema global. De qualquer modo, o meu interesse nesta questão não é de agora, já que os meus dois romances anteriores eram em função dos desalojados e dos imigrantes, dos que pedem asilo ou são refugiados.
Este é um tema próximo para uma mulher que já foi obrigada a mudar de país mais do que uma vez. Vê o mundo de uma forma mais clara?
Talvez tenha uma visão mais global do mundo porque viajo muito. Pessoalmente, sempre fui uma estrangeira: nasci no Peru, vivi no Chile, fui refugiada política após o golpe de Pinochet na Venezuela e agora sou imigrante nos Estados Unidos. Portanto, tenho sempre o sentimento de quase não pertencer a um lugar, estou sempre a recear que a qualquer momento a situação se altere e de ter de mudar de novo. No caso da tragédia dos refugiados, relaciono-me sempre a um nível emocional porque sou uma imigrante muito privilegiada: tenho documentos, vivo do meu trabalho, tenho uma família, uma fundação... A minha fundação trabalha com imigrantes que estão numa situação desesperada, pessoas que vêm da Nicarágua, de El Salvador ou da Guatemala, que fogem de gangues, de cartéis de droga, dos governos, de polícias e militares corruptos; pessoas que perderam a vida onde moravam e que vêm para os EUA e são paradas na fronteira em condições desumanas e colocam-lhes os filhos em jaulas. Isto é uma vergonha, mas está a acontecer e eu não sou capaz de aceitar esta situação.
A sua fundação não tem que ver com a situação das mulheres e o seu empoderamento?
Sim, esse era o primeiro grande objetivo da fundação, no entanto, como 80% dos refugiados no mundo são mulheres e crianças, é preciso agir. Antes eram os homens que imigravam para achar trabalho, agora são famílias inteiras, além de que muitas mulheres foram violadas e exploradas. Muitas vezes até são mortas ou desaparecem, e ninguém quer saber o que lhes aconteceu. Não são importantes.
Sente-se como imigrante também?
Eu sou uma imigrante, mas posso estar nos EUA sem problemas porque vivo lá há mais de 30 anos e tornei-me cidadã americana ao casar com um americano. O que não me impede de ver o que sofrem, de viverem com medo de ser deportados dos Estados Unidos.
Esta era Trump é também um perigo para os próprios americanos?
Estou certa de que este é um tempo terrível, mas irá passar porque já vivi o suficiente - tenho 77 anos - para saber que as situações aparecem e desaparecem. A mudança é da natureza da vida e do mundo! Tivemos 17 anos de ditadura no Chile, onde tudo era controlado pelos militares e parecia não haver esperança, mas tudo sempre terá um fim. Penso que esta era Trump é terrível para os EUA, deixará cicatrizes profundas na sociedade dividindo-a, criando ódios, racismo e misoginia, mas irá passar.
Isabel Allende.© Lori Bara
O título do romance é um verso de Pablo Neruda, o responsável pela contratação do navio Winnipeg, e o poeta chileno também aparece enquanto personagem do livro. Nada que não tenha irritado as feministas chilenas, pois as características pessoais do "machista" Neruda desagradaram de imediato. Isabel Allende explica porque manteve a presença de um dos mais importantes poetas do seu país natal, bem como outras razões para ter escrito um romance sobre uma realidade que também vive desde que se tornou imigrante por razões de exílio familiar, estatuto que até hoje vive por residir nos EUA.
Este foi mais um romance começado num dia 8 de janeiro, data que se tornou um ritual para a escritora dar início aos seus livros: "Tornou-se uma questão de disciplina. Se não organizar a minha vida para ter tempo, paz e solidão para escrever, e não marcar um dia para começar, adiarei sucessivamente a escrita do romance."
Quanto a continuar a escrever em espanhol, Isabel Allende garante que assim é: "Só escrevo romances nesta língua. Até poderei escrever um discurso ou um ensaio em inglês, mas no que respeita à ficção é apenas em espanhol. Creio que a língua é como o sangue que corre em nós e todas as coisas importantes na vida acontecem-me em espanhol: sonho, rezo, cozinho e faço amor em espanhol. É tudo sempre em espanhol."
Nota-se que a escritora está feliz e que ri em vários momentos da entrevista, mesmo que ao comentar situações dramáticas dos imigrantes, por exemplo, acabe por chorar. A parte da felicidade explica facilmente: "Casei há três meses." Está tudo dito.Este romance é o mais recente passo de uma longa caminhada desde A Casa dos Espíritos. Tem sido um bom percurso?
Sim, posso dizer que tem sido muito bom. Escrevi 24 livros e sinto que contei muitas histórias que criaram uma grande ligação com os meus leitores, e de uma maneira que nunca esperei que acontecesse. Nem suspeitaria que tal pudesse vir a acontecer.
Este romance trata principalmente de refugiados e imigrantes. Era um tema que estava no seu plano?
Não estava, apesar de este tema dos refugiados estar no ar atualmente e ser um problema global. De qualquer modo, o meu interesse nesta questão não é de agora, já que os meus dois romances anteriores eram em função dos desalojados e dos imigrantes, dos que pedem asilo ou são refugiados.
Este é um tema próximo para uma mulher que já foi obrigada a mudar de país mais do que uma vez. Vê o mundo de uma forma mais clara?
Talvez tenha uma visão mais global do mundo porque viajo muito. Pessoalmente, sempre fui uma estrangeira: nasci no Peru, vivi no Chile, fui refugiada política após o golpe de Pinochet na Venezuela e agora sou imigrante nos Estados Unidos. Portanto, tenho sempre o sentimento de quase não pertencer a um lugar, estou sempre a recear que a qualquer momento a situação se altere e de ter de mudar de novo. No caso da tragédia dos refugiados, relaciono-me sempre a um nível emocional porque sou uma imigrante muito privilegiada: tenho documentos, vivo do meu trabalho, tenho uma família, uma fundação... A minha fundação trabalha com imigrantes que estão numa situação desesperada, pessoas que vêm da Nicarágua, de El Salvador ou da Guatemala, que fogem de gangues, de cartéis de droga, dos governos, de polícias e militares corruptos; pessoas que perderam a vida onde moravam e que vêm para os EUA e são paradas na fronteira em condições desumanas e colocam-lhes os filhos em jaulas. Isto é uma vergonha, mas está a acontecer e eu não sou capaz de aceitar esta situação.
A sua fundação não tem que ver com a situação das mulheres e o seu empoderamento?
Sim, esse era o primeiro grande objetivo da fundação, no entanto, como 80% dos refugiados no mundo são mulheres e crianças, é preciso agir. Antes eram os homens que imigravam para achar trabalho, agora são famílias inteiras, além de que muitas mulheres foram violadas e exploradas. Muitas vezes até são mortas ou desaparecem, e ninguém quer saber o que lhes aconteceu. Não são importantes.
Sente-se como imigrante também?
Eu sou uma imigrante, mas posso estar nos EUA sem problemas porque vivo lá há mais de 30 anos e tornei-me cidadã americana ao casar com um americano. O que não me impede de ver o que sofrem, de viverem com medo de ser deportados dos Estados Unidos.
Esta era Trump é também um perigo para os próprios americanos?
Estou certa de que este é um tempo terrível, mas irá passar porque já vivi o suficiente - tenho 77 anos - para saber que as situações aparecem e desaparecem. A mudança é da natureza da vida e do mundo! Tivemos 17 anos de ditadura no Chile, onde tudo era controlado pelos militares e parecia não haver esperança, mas tudo sempre terá um fim. Penso que esta era Trump é terrível para os EUA, deixará cicatrizes profundas na sociedade dividindo-a, criando ódios, racismo e misoginia, mas irá passar.
Isabel Allende.© Lori Bara
Os tempos no Chile também estão perigosos. Esperava esta turbulência no seu país?
Não. O Chile aparecia como o país mais estável da América Latina e era o paraíso deste continente a nível político, económico e de estabilidade. No entanto, essas estatísticas não mostram a ausência da distribuição da riqueza. Tem havido realmente mais criação de riqueza e desenvolvimento, mas apenas para algumas pessoas. Mais de 40% da população não pode pagar os serviços de água, eletricidade, saúde, educação e transportes, vive de crédito. Se for a um supermercado no Chile comprar comida para as refeições do dia, os estabelecimentos oferecem o poder pagar em três prestações com juros. O que se passa é que a maioria da população não está representada politicamente e ainda vive sob uma Constituição não democrática imposta por Pinochet em 1998. Esta raiva acumulada ao longo dos anos explodiu agora e foi uma surpresa para os políticos chilenos e para o mundo porque ninguém esperava a expressão dessa raiva.
"Não tenho um plano e não sei o que irei escrever no próximo ano. Começo a sentir nascer qualquer coisa na minha barriga e não no cérebro e essa sensação é que me traz a inspiração"
Uma crise que afeta a maior parte da América Latina, pois a Bolívia, a Venezuela e o Brasil também estão em ebulição.
Creio que tem que ver com o sistema económico que vigora no continente. Existia a ideia de que um sistema económico liberal criaria prosperidade e desenvolveria a iniciativa empresarial, que a concentração da riqueza não era um problema porque de alguma forma seria distribuída pela população - só que isso não aconteceu. Tal como não aconteceu nos EUA, onde 400 pessoas dominam a maioria da riqueza americana, fazendo que a classe média [a trabalhadora] não melhore as suas condições de vida.
Os seus três últimos romances têm que ver com situações de refugiados. Faz parte de um plano, ou simplesmente aconteceu?
Foi por acaso. Não tenho um plano e não sei o que irei escrever no próximo ano. Começo a sentir nascer qualquer coisa na minha barriga e não no cérebro e essa sensação é que me traz a inspiração. Habitualmente, tem que ver com qualquer coisa que está a acontecer no mundo, que não precisa de ser nesse momento, mas que sinto estar madura o suficiente para escrever sobre ela.
Os protagonistas Roser e Victor têm uma história tão complexa que daria para um segundo ou mais romances. Vai ficar por este?
O Victor foi inspirado por um amigo meu, Victor Pey, que me contou a história dos passageiros do Winnipeg porque foi um deles. Chegou ao Chile em 1939, viveu ali muitos anos e, quando houve o golpe militar em 1973, teve de voltar a exilar-se na Venezuela. Foi lá que o conheci, há 40 anos, e tenho trazido a sua história dentro de mim durante todo este tempo. Agora escrevi-a, depois de o questionar sobre muitos detalhes que nunca apareceram em livros de história, como os dos campos de concentração, das prisões, os exílios, do navio, e ele ajudou-me a criar o romance. Infelizmente, morreu seis dias antes de terminar o manuscrito. Ele tinha 103 anos e estava muito lúcido, mas com a sua morte acho que não serei capaz de voltar a escrever sobre ele.
Este romance é mais ficção ou realidade?
Há muita ficção, mas não tanto assim, porque os acontecimentos históricos são verdadeiros e os protagonistas são baseados em pessoas de verdade. Roser existiu mesmo, foi pianista e reitora de uma escola de música.
Isabel Allende com a capa do livro da edição espanhola.
Os protagonistas Roser e Victor têm uma história tão complexa que daria para um segundo ou mais romances. Vai ficar por este?
O Victor foi inspirado por um amigo meu, Victor Pey, que me contou a história dos passageiros do Winnipeg porque foi um deles. Chegou ao Chile em 1939, viveu ali muitos anos e, quando houve o golpe militar em 1973, teve de voltar a exilar-se na Venezuela. Foi lá que o conheci, há 40 anos, e tenho trazido a sua história dentro de mim durante todo este tempo. Agora escrevi-a, depois de o questionar sobre muitos detalhes que nunca apareceram em livros de história, como os dos campos de concentração, das prisões, os exílios, do navio, e ele ajudou-me a criar o romance. Infelizmente, morreu seis dias antes de terminar o manuscrito. Ele tinha 103 anos e estava muito lúcido, mas com a sua morte acho que não serei capaz de voltar a escrever sobre ele.
Este romance é mais ficção ou realidade?
Há muita ficção, mas não tanto assim, porque os acontecimentos históricos são verdadeiros e os protagonistas são baseados em pessoas de verdade. Roser existiu mesmo, foi pianista e reitora de uma escola de música.
Isabel Allende com a capa do livro da edição espanhola.
Começa com uma personagem masculina, mas a maioria das importantes irão ser mulheres...
No entanto, há um casal que tem a particularidade de ver o mundo a partir de diferentes perspetivas e com uma história de amor muito interessante: começa com um casamento por conveniência, cresce numa amizade durante muitos anos e um dia descobrem, porque um deles pode morrer, que estão perdidamente apaixonados. Portanto, é o contrário das histórias de amor, onde primeiro apaixonam-se perdidamente, depois são amigos e no fim vivem um casamento de conveniência.
Este romance inspirará mulheres a lutar por uma vida própria e pelo que têm direito?
Não podemos generalizar porque depende das pessoas, também não pretendo passar uma mensagem ou querer mudar certas mulheres por colocar certas ideias nos livros - apenas conto histórias. O que me interessa são homens e mulheres que se confrontam com grandes obstáculos nas suas vidas e conseguem ultrapassá-los sem perder a compaixão e a capacidade para serem alegres e amar. Não preciso de as inventar porque quando olho à minha volta muitas das mulheres com quem trabalho na fundação são pessoas assim. Algumas ultrapassaram verdadeiras tragédias, foram violadas ou raptadas, perderam os filhos, e mesmo assim continuaram a viver e continuam a ser capazes de cantar e dançar. Isso é fantástico.
"Quando García Márquez crescia não podia ler os autores latino americanos porque eles não eram vendidos no seu pais"
Uma das personagens principais é o poeta Pablo Neruda. Não se preocupou com a reação bastante crítica dos movimentos feministas chilenos?
Sem a sua ideia e trabalho, a viagem do Winnipeg nunca teria acontecido, nem estas duas mil pessoas teriam chegado ao Chile, Penso que Pablo Neruda deve ser olhado de forma separada entre o seu comportamento em vida com as mulheres e o seu trabalho enquanto criador. Se não o fizermos, então teríamos de julgar o trabalho de todos os artistas, cientistas, filósofos, etc., e separar as pessoas do que criaram não funciona, ou teríamos de eliminar metade da cultura mundial.
Mas as feministas não pensam assim e querem justiça seja em que época for.
É verdade e compreendo esse desejo de as feministas mais novas quererem fazer uma revisão da história do ponto de vista feminista. Isso faz parte do processo, mas sei que estes julgamentos irão longe e voltarão atrás de novo até se encontrar um ponto de equilíbrio. Haverá uma altura em que ainda julgaremos Neruda porque violou uma mulher e pelas questões com a filha, mas não podemos esquecer quão grande poeta ele era nem a sua poesia.
Pertence à primeira geração de escritores latino-americanos que foram influenciados por outros escritores latino-americanos e não por estrangeiros. Qual foi a influência?
É verdade que quando García Márquez crescia não podia ler os autores latino-americanos porque eles não eram vendidos no seu pais. No Chile era difícil ler autores do México ou da Argentina, como Borges. Tudo isso mudou quando uma editora de Barcelona começou a publicar escritores latino-americanos e exportava livros para a América Latina, criando o boom da nossa literatura e mostrando ao mundo que esse movimento era um coro com muitas vozes.
Quando publicou A Casa dos Espíritos havia muitas mulheres a escrever na América Latina?
Sim. Mas a sua escrita não era respeitada nem era considerada como a dos homens. Na verdade, elas sempre escreveram, mas as suas vozes foram silenciadas, tanto que quando publiquei esse primeiro livro, e como foi um sucesso na Europa, as pessoas queria ler também livros de outras mulheres. Então, começaram a dizer que eu não pertencia ao boom, que este era só de homens, que eu era pós-boom. Desde então, muitas outras mulheres foram publicadas e também com sucesso, afinal, as mulheres leem mais ficção do que os homens e queriam ler livros escritos por mulheres. Principalmente porque mostravam o mundo sob uma perspetiva feminina e não, como estamos acostumados, ver o mundo sob o olhar masculino.
É a primeira vez que fala da Guerra Civil Espanhola...
... Sim, porque a história o exigia e eu tinha de explicar por que razões as minhas personagens tinham abandonado o seu país. O meu objetivo não é retratar a Guerra Civil, mas o que aconteceu com os refugiados do Winnipeg no Chile, só que era impossível não referir o conflito para o conseguir. E não escrevi antes porque não sou espanhola e há muitos deles a escrever sobre este tema. Atualmente, ainda saem dezenas de investigações todos os anos sobre a Guerra Civil, o que mostra que continua a haver muitos leitores interessados no tema. Muitos destes escritores têm pais ou avós que estiveram na guerra, o que a torna muito presente, portanto não vejo motivo para interferir num assunto que eles conhecem muito melhor.
Era fundamental entrevistar sobreviventes dessa viagem?
Completamente. Já escrevi vários romances históricos e alguns são tão no passado que é difícil ou impossível encontrar um testemunho pessoal, antes é preciso consultar cartas ou diários, porque não ouvimos a voz real dessas pessoas. Neste caso, alguns dos passageiros ainda estão vivos, como algumas crianças que viajaram e que ainda se lembram do que viveram.
Esses testemunhos reais não complicaram a escrita do livro?
Não, pelo contrário, ficou mais fácil porque nos dão o sentimento do que aconteceu e não existe uma distância como a dos livros de história, além de que é sempre uma voz masculina que conta a história e são sempre os vencedores a relatá-la. Onde estão os derrotados, as mulheres, as crianças e as vítimas? São essas que me interessam mais.
Longa Pétala de Mar
Isabel Allende
Porto Editora
391 páginas
Li muitos livros da Isabel Allende. Gostei de ler esta entrevista pois já tinha visto que publicou um novo livro e não sabia se ia comprar. Fiquei convencida.
ResponderEliminarUma boa semana, meu Amigo Luís.
Um beijo.