morrem aos pares
Poetas das manhãs
no crepúsculo
dos dias
para sempre
guardados.
rios que correm
sem margens
na savana angolana.
.
LMC
DAQUI:
MARIA ALEXANDRE DÁSKALOS
(1957-2021)
Nasceu em mim uma fonte
nada sabia dessa água
até encontrar as margens
desta escrita
que quis fosse lisa
como pedra mármore
***
Amendoeiras selvagens
em flor
a rasgar o verde
da mata de inverno.
Plenitude de maturidade
como relógio de areia
a marcar os quarenta anos.
***
Um homem ao crepúsculo
sabe que os poetas e as mulheres
percorrem as ruas da cidade
na peregrinação dificílima do amor.
Esperam-nos em caves secretas
ungüentos e odores tropicais
então, um homem tranqüilo torna fácil a nudez.
***
As velhas tias organizam velórios
e com o pêndulo do ocaso
invertem as rotas dos barcos
saídos do cais ao fim da tarde.
Ecos que já não lutam com ventos perigosos
de aromas marinhos
anseiam chegar à ilha para ver os pássaros
e
preguiçar na promessa de uma ilusão cumprida
Ao fim da tarde...
***
A alma é como a lavra.
Quando as nossas mãos voltam a desfiar.
O milho amarelo de ouro?
Que outras mãos que as nossas semeiam
O medo e o silêncio da morte?
Por que este frio? Por que tão longa a noite?
Como se faz o mundo? Quando começa o mundo?
***
O garoto corria corria
Não podia saber
Da diferença entre as flores.
O garoto corria corria
Fugia.
Ninguém lhe pegou ao colo
Ninguém lhe parou a morte.
***
E agora só me restam
os poetas gregos.
O silêncio diz - esquece.
E o espinho da rosa enterrado no peito
é meu.
Os deuses não assistiram a isto.
*
Maria Alexandre Dáskalos, poeta angolana, nasceu em Huambo, em 1957, filha do poeta e intelectual nacionalista Alexandre Dáskalos. Estudou nos colégios Ateniense e de São José de Cluny, formando-se em Letras. Em 1992, durante a guerra civil, mudou-se para Portugal, com a mãe e o filho. Atualmente, é jornalista na RDP África e mestranda em História Contemporânea. Publicou Do Tempo Suspenso (1998), Lágrimas e Laranjas (2001) e Jardim das Delícias (2003).
Arlindo do Carmo Pires Barbeitos
(1940-2021)
Arlindo do Carmo Pires Barbeitos, nasceu em Catete, Província de Icolo e Bengo, Angola, em 24 de Dezembro de 1940. Em 1961, foi obrigado a fugir de seu país por motivos políticos. Viveu na a França, Bélgica, Suíça, e Alemanha, onde cursou Antropologia e Sociologia na Universidade de Frankfurt. Tem doutorado em Etnologia e foi professor na Universidade Livre de Berlim Ocidental e na Universidade de Angola, para onde regressou em 1975.
No tempo/em que as pacaças entravam
no tempo
em que as pacaças entravam
pelos povoados
o vôo alvoraçado das perdizes
carregava sonhos
que
a mãozinha inerme de criança
feliz
agarrava ao lusco-fusco dos muxitos
no tempo
em que as pacaças entravam
pelos povoados
(Na leveza do luar crescente)
Oh flor da noite/onde todo o orvalho se perde
Oh flor da noite
onde todo o orvalho se perde
teus olhos
não são estrelas
não são colibris
teus olhos
são abismos imensos
onde na escuridão
todo um passado se esconde
teus olhos
são abismos imensos
onde na escuridão
todo um futuro se forma
oh flor da noite
onde todo o orvalho se perde
teus olhos
não são estrelas
não são colibris
(Angola Angolê Angolema)
"borboletas de luz"
borboletas de luz
esvoaçando
de cadáver em cadáver
colhem
o fedor dos mortos em
vão
e
pelos buracos da renda
dos dias
passam alacres
do mundo do esquecimento
ao país da indiferença
levando consigo
o pólen fatal
das flores da guerra
borboletas de luz
(Na leveza do luar crescente)
"oh alambique..."
oh alambique
de saudade
destilando
álcool de poesia
pára pára
oh alambique
de saudade
(Na leveza do luar crescente)
"imersa em sereno de lusco-fusco"
imersa
em sereno de lusco-fusco
e
suspensa em vazio
São-Tomé
carrocel de montanhas
carregador de nuvens
transportados de sonhos
irrompendo
de abismo de espuma
e
sumindo
em precipício de bruma
São-Tomé
suspensa em vazio
e
imersa em sereno de lusco-fusco
(Na leveza do luar crescente)
"na leveza do luar crescente"
na
leveza do luar crescente
sobe
a ilusão da felicidade
que
teu gesto distraído
me dá
como se
plumas vogando suaves
na brisa
fossem
vida de pássaro apodrecendo
na
leveza do luar crescente
(Na leveza do luar crescente)
"na transparência da tardinha"
na transparência da tardinha
que
impávidos imbondeiros sombreiam
cantar de galinha do mato
é
eco de um tempo
em
que ilusão e verdade
cirandavam alheias ao mundo
a esperança medrava verde
verde
como rebento de capim de outubro
na transparência da tardinha
que
impávidos imbondeiros sombreiam
(Na leveza do luar crescente)
"pela névoa de pesadelo"
pela névoa de pesadelo
a dor passa
clandestina
a fronteira dos instantes
e implacável
monta guarda
ao porão dos dias
ao contorno dos gestos
ao ruído das coisas
e
ao sentido das palavras
embaciadas
pela névoa do pesadelo
(Na leveza do luar crescente)
CARNAVAL CARNAVAL CARNAVAL
carnaval carnaval carnaval
guizos apitos dicanzas* gomas2** puitas*** e quissanges
vozes
vozes cantando berrando gritando chorando gargalhando
[e calando
papel riscado seda serapilheira peles e pele missangas pulseiras chapéus espelhinhos cacos de
[garrafas e outras coisas
vermelho amarelo verde azul
azul verde amarelo vermelho o céu e o sol
carnaval carnaval carnaval
olhos para o ar mãos sem nexo peitos em turbilhão ventres abobadados cus em assimetria e corpos jazendo gentes
gentes gingando bamboleando saracoteando
[massembando^ cambalhotando e dormindo
carnaval carnaval carnaval
poeira
poeira branca como fuba bombó***** cobrindo
crianças cães folhas mangas água e tudo
cheiro
cheiro de bode cheirando de lábios revirados e mijo
[das cabras
cheiro de bagre seco repousando na calma das quinda******
cheiro de catinga em nossos sovacos ardentes
cheiro de sentina que o vento traz das piteiras ao lado
[de cacimba
cheiro de chuva de ontem nas lavras sem ninguém
e cheiro de pólvora dum outro dia de fevereiro ainda
[por chegar
carnaval carnaval carnaval
feiticeiro velho que fala com jacaré
passeando lentamente de chucho no ombro e branco
brando vendendo vendendo carnaval carnaval carnaval
1 dicanza — chocalho.
goma — espécie de tambor.
pufta — cuíca
massembando — dançar a massemba (dança tradicional de Angola).
fuba bombó — farinha de mandioca.
Quinda - cesto
O JOÃO CAMBUTA QUE FORA MILITAR
O joão cambuta que fora militar tinha um apito da tropa
O Nando china que era mulato fez uma gaita de caniço
6 quinda - cesto
O Chico pernambucano que não era brasileiro mas que mancava da perna direita trouxe uma puíta* do avô caçador
O Tumba pastor porque era do sul
marcava ritmo com dois pauzinhos
O Pazito funileiro que vinha de Capolo
só tocava de assobio
mas não estragou a música.
*puita - inztrumento musical
A SOMBRA DA ARVORE VELHA DE MUITOS SOBAS
A sombra da árvore velha de muitos sobas.*
só cresceram muxitos**
O sussurrar encarcoleante dos surucucus d'areia
marcava dédalos efémeros
que os quissondes*** iam devorando
A sombra da árvore velha de muitos sobas só cresceram muxitos
*sobas – chefes tradicionais
**muxitos – arbustos
***quissondes – formigas grandes
BEIJO ATÉ A GARGANTA TUA BOCA PANTANAL
Beijo até à garganta tua boca pantanal
paradeiro obsidiano de sapos miasmas excrementos e
[orquídeas roxas
respiro teu halo mortífero de febres palustres
chupo tua língua dura
tronco de mulemba* carcomida
que sopro de mologe** zangado
fez tombar à água
em noite de trovoada seca
respiro teu halo mortífaero de febres palustres
beijo até à garganta tua boca pantanal
paradeiro obsidiano de sapos miasmas excrementos e
[orquídeas roxas
*mulemba – árvore de fruto comestível
**mologe - feiticeiro
Poetas lusófonos para ler com a atenção que merecem. Virei aqui outra vez.
ResponderEliminarCuida-te bem, meu Amigo.
Uma boa semana.
Um beijo.