sexta-feira, 8 de março de 2019

mulher

para que^ dizer que este e' o teu dia
se tantos outros de ti ficaram esquecidos?

um só dia a celebrar e' tão pouco para
quem todos os dias tem tudo para dar.

a ti, mulher
a minha gratidão.



Calçada de Carriche
poema de António Gedeão

Luisa sobe,
sobe a calçada
sobe e não pode
que vai cansada.
Sobe Luisa,
sobe que sobe
sobe a calçada.
Saiu de casa
de madrugada;
regressa a casa
é já noite fechada.
Na mão grosseira,
de pele queimada,
leva a lancheira
desengonçada.
Anda, Luisa,
Luisa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.
Luisa é nova,
desenxovalhada,
tem perna gorda,
bem torneada.
Ferve-lhe o sangue
de afogueada;
saltam-lhe os peitos
na caminhada.
Anda, Luisa.
Luisa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.
Passam magalas,
rapaziada,
palpam-lhe as coxas
não dá por nada.
Anda, Luisa,
Luisa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.
Chegou a casa
não disse nada.
Pegou na filha,
deu-lhe a mamada;
bebeu a sopa
numa golada;
lavou a loiça,
varreu a escada;
deu jeito à casa
desarranjada;
coseu a roupa
já remendada;
despiu-se à pressa,
desinteressada;
caiu na cama
de uma assentada;
chegou o hommem,
viu-a deitada;
serviu-se dela,
não deu por nada.
Anda, Luisa.
Luisa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.
Na manhã débil,
sem alvorada,
salta da cama,
desembestada;
puxa da filha,
dá-lhe a mamada;
veste-se à pressa,
desengonçada;
anda, ciranda,
desaustinada;
range o soalho
a cada passada,
salta para a rua,
corre açodada,
galga o passeio,
desce o passeio,
desce a calçada,
chega à oficina
à hora marcada,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
toca a sineta
na hora aprazada,
corre à cantina,
volta à toada,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga.
Regrassa a casa
é já noite fechada.
Luisa arqueja
pela calçada.
Anda, Luisa,
Luisa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada,
sobe que sobe,
sobe a calçada,
sobe que sobe,
sobe a calçada.
Anda, Luisa,
Luisa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.
....//.....

1 comentário:

  1. Não consigo ouvir este poema de Gedeão sem me comover e encontrar nele tantas mulheres que conheço. A Odete Santos diz o poema de uma forma muito sensível. Obrigada, meu Amigo por este momento.
    Uma boa semana.
    Um beijo.

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