domingo, 28 de outubro de 2018

e agora, José? - e agora, Maria?

Carlos Drummond de Andrade_José

by net



JOSÉ 

E agora, José? 
A festa acabou, 
a luz apagou, 
o povo sumiu, 
a noite esfriou, 
e agora, José? 
e agora, você? 
você que é sem nome, 
que zomba dos outros, 
você que faz versos, 
que ama, protesta? 
e agora, José?

Está sem mulher, 
está sem discurso, 
está sem carinho, 
já não pode beber, 
já não pode fumar, 
cuspir já não pode, 
a noite esfriou, 
o dia não veio, 
o bonde não veio, 
o riso não veio 
não veio a utopia 
e tudo acabou 
e tudo fugiu 
e tudo mofou, 
e agora, José?

E agora, José? 
Sua doce palavra, 
seu instante de febre, 
sua gula e jejum, 
sua biblioteca, 
sua lavra de ouro, 
seu terno de vidro, 
sua incoerência, 
seu ódio - e agora?

Com a chave na mão 
quer abrir a porta, 
não existe porta; 
quer morrer no mar, 
mas o mar secou; 
quer ir para Minas, 
Minas não há mais. 
José, e agora?

Se você gritasse, 
se você gemesse, 
se você tocasse 
a valsa vienense, 
se você dormisse, 
se você cansasse, 
se você morresse... 
Mas você não morre, 
você é duro, José!

Sozinho no escuro 
qual bicho-do-mato, 
sem teogonia, 
sem parede nua 
para se encostar, 
sem cavalo preto 
que fuja a galope, 
você marcha, José! 
José, para onde? 


...//...

Gustavo Dourado

E agora, Maria?
Acabou a festa,
A bolsa caiu,
Apagaram-se as luzes...
Esquentou a Poesia...
Depois esfriou
O povo sofreu
De bolso vazio...
E agora, Maria?
Onde anda você?

És inominável?
Musa que zomba,
Que vê a novela,
Que dança e samba...
Que des.faz o ver.só,
Protesta, declama
Ama e reclama...
Clama por amor...
Você onde anda?
Maria, e agora?

Está sem carro
Perdeu o concurso
Não veio o consórcio
O sócio sumiu,
O táxi atrasou
Perdeu o juízo
Dói o dente siso
E tudo parou...
Já não pode andar
Não há mais sorriso,
O bicho pegou...
Nada aconteceu
A vida passou,
O tempo correu,
O sonho desveio
Virou pesadelo...
E agora?
Quer parar de fumar,
Sorver a cerveja,
Água de beber
Ver a natureza...
Quer sobreviver
Ao caos e a dor... 
Veio a tempestade,
E tudo morreu 
E tudo acabou...
E agora, Maria?
Maria, e agora?
A palavra indócil,
Desejo febril,
O eco do fuzil,
A bala perdida,
O jogo de azar,
O azar no jogo,
O cheque sem fundo,
O jugo, o logro,
O juro, o lucro
O desfalque no erário
O lote invadido,
O empréstimo bancário,
O imposto de renda,
A contravenção,
O vil peculato,
A corrupção,
Seqüestro - relâmpago
O medo, o pavor...
O descontentamento,
A desilusão 
A promessa vã 
E agora, Maria...?
O cartão de(s)crédito,
Nota promissória, 
Medida provisória, 
O livro de ouro,
O bingo, a sorte...
A morte do amor...
E agora, Maria?
A fome que assola
Criança sem escola, 
O homem sem-terra,
Sem-teto, na esmola...
E agora?
Juro sobre juro,
Ágio, extorsão, 
Água poluída,
A conta vencida...
O computadoido,
Internet, ilusão... 

Seu sonho - e agora?
Virou devaneio
O mar que não veio 
E agora, Maria?
Quer abrir a porta,
Não há chave, 
A chave sumiu...
Quer ir par a Marte?
Só há deusa morte... 
Quer rever o mar,
O mar soçobrou...
Maria, e agora?

Pare...Pense...
Reflita - Dance,
Grite, gema,
Durma, Sonhe,
Acorda Maria...
Resista....
Você não desiste...
Maria, você é forte... 
E agora, Maria?

Num canto do muro,
Sozinha, no escuro,
Sem cosmogonia...
Feito bicho-grilo,
Fugindo a galope...
És bicho - do - mato,
Na grande cidade,
Na alma , a saudade...
Para onde ir?
Maria , e agora?
E agora , Maria ?
O que queres de mim?

Sem comentários:

Enviar um comentário