"Vai e Vem", de Márcia: A sensualidade do desencontro
29.10.2018 às 9h26
"Um regresso que reforça a certeza de que está aqui uma das mais talentosas escritoras de canções da atual música portuguesa. Vai Vem, o novo disco de Márcia, já está à venda
Márcia faz, mais do que música intimista, canções íntimas. Talvez porque nelas, em Márcia e na sua música, vida e arte se cruzem de tal forma que mal se sabe o que é uma coisa ou outra. Costuma chamar-se a isso talento, mas há aqui algo mais, uma sensibilidade para cantar o lado negro do amor, feito de perdas, abandonos ou simples desencontros, e torná-lo algo luminoso, fazendo quem a ouve seguir em frente, com a certeza de que, mais tarde ou mais cedo, de uma maneira ou de outra, tudo se vai compor. Segundo Márcia, “há um lado muito sensual nas histórias de amor inacabadas, que se mantêm vivas apesar de a vida continuar”.
A temática é recorrente desde que, em 2009, se estreou em nome próprio com um EP homónimo de apenas cinco temas, incluindo esse hino ao (des)amor chamado A Pele que Há em Mim, anos mais tarde transformado em êxito numa nova versão em dueto com JP Simões. Uma “resiliência no amor”, como gosta de lhe chamar, também presente no álbum de estreia, Dá (2010), em Casulo (2013), Quarto Crescente (2015) e que agora volta a cantar neste novo Vai e Vem, um disco de plena afirmação de uma das mais talentosas escritoras de canções, surgida nestes últimos anos na música portuguesa.
Segundo a própria, trata-se tão-só da “conquista de um espaço”, assumido, por exemplo, na segurança da interpretação, agora muito mais livre e solta, de temas como Corredor, Manilha, Mil Anos ou Agora; nos duetos tão sentimentalmente diferentes com os “amigos” António Zambujo, Samuel Úria e Salvador Sobral, em, respetivamente, Vai e Vem, Emudeci e Pega em Mim; no modo como cada canção se torna tão visual (o quarto de Amor Conforme ou a viagem de carro de Ao Chegar), mas especialmente na forma como Márcia parece continuar a cantar apenas para cada um de nós.
Todas as 12 canções de Vai e Vem têm a assinatura de Márcia, mas três delas são interpretadas em dueto − com António Zambujo, Samuel Úria e Salvador Sobral"
in: revista "Visao"
Letra
A Insatisfação
Escrita fina
quando corre ensina
não dura um deserto que atravesse
Pode ir sendo
que demore um tempo
mais tarde ou mais cedo
lá me acerto
Na lembrança
o meu céu de criança
a quem nunca se entrega um tom cinzento
por momentos
vem num pensamento
e uma nuvem chove cá por dentro
Quase nada
(experimento o céu de negro que há de norte a sul
nunca me conforma
(prometo-me a mim mesma mais de céu azul)
a insatisfação
(temo que haja pouco pra me contentar)
nunca me abandona
(mas nada me impede de tentar)
Porque tento
andar atrás no tempo
e entender a chuva que acontece?
Como por magia
há sempre um novo dia
e outra Lua Nova que anoitece
Se a madrugada traz uma canção
pouco importa que me insista hoje em "dia não"
tomei o meu fastidio pra me atormentar
pedras no meu trilho são pra me assentar
Quase nada
(experimento o céu de negro que há de norte a sul
nunca me conforma
(prometo-me a mim mesma mais de céu azul)
a insatisfação
(temo que haja pouco pra me contentar)
nunca me abandona
(mas nada me impede de tentar)
Quando acordar do sono que eu escolhi
quero ter no meu cantinho sempre mais de ti
cada rosa, cada espinho que tanto cresceu
mesmo quando venham pra nublar-me o céu.
Quase nada
(experimento o céu de negro que há de norte a sul
nunca me conforma
(prometo-me a mim mesma mais de céu azul)
a insatisfação
(temo que haja pouco pra me contentar)
nunca me abandona
(mas nada me impede de tentar)
Márcia - Voz, coros
Zé Kiko Moreira – Bateria
Dadi – Baixo, teclados e guitarra eléctrica
Filipe C. Monteiro – guitarra acústica e eléctrica.
Manuel Dordio – guitarra eléctrica
Márcia, Filipe C. Monteiro, Zé Pedro Leitão - palmas
O historiador brasileiro Leandro Karnal, autor do livro “Todos Contra Todos”, sobre a história do ódio no país, afirma que a internet favoreceu “um diálogo de surdos” durante a campanha eleitoral, mas defende que o clima ainda é muito mais violento nas redes sociais do que nas ruas
O mito do “homem cordial”, que Sérgio Buarque da Holanda, o pai de Chico, usou em 1936 para descrever as raízes dos brasileiros, é enganador. O Brasil nunca foi um país pacífico. A sua História está manchada a sangue por violência, tortura, conflitos, assassinatos.
Os brasileiros ao volante matam mais do que a guerra na Síria. O trânsito é uma metáfora trágica, lembra o historiador Leandro Karnal, autor de “Todos Contra Todos”, sobre as raízes do ódio no país. “Somos um país violento. [Somos] violentos a conduzir, violentos nas ruas, violentos nos comentários e nas fofocas, violentos ao torcer por nosso time, violentos ao votar”.
O que há de novo, sublinha Leandro Karna, professor da Universidade Estadual de Campinas, é o papel das redes sociais, que favoreceram um debate “dentro de bolhas sistémicas, bolhas de acesso à verdade onde há um efeito de eco. Sentimos que todo o mundo está connosco porque só ouvimos quem concorda connosco”.
FOTO R. TRUMPAUSKAS
Que tempos são estes que vivemos no Brasil, onde a cisão social provocada pelas eleições é tão acentuada?
O nosso imaginário nacional sempre enfatizou a concórdia, o país da paz e sem desastres naturais. Esse imaginário de que éramos um povo pacífico não corresponde à História, temos uma História extremamente violenta e com episódios muito sangrentos contra indígenas, contra negros, contra a população brasileira em geral. O que aconteceu várias vezes no campo político é essa bipolaridade, essa cisão em dois campos inimigos que não reconhecem no outro campo a cidadania ou a pertença à nação brasileira. Isso aconteceu em 1935, aconteceu entre 1961 e 1968, voltou a acontecer em 1989 com a campanha entre Collor e Lula, e extremou-se graças às redes sociais de 2013 até hoje. As redes sociais magnificaram uma intensa campanha de ódios pessoais, porque o momento é de divisão política profunda: quase metade do país acredita num candidato, mais de metade acredita noutro, e as duas partes consideram que a vitória da outra é o fim do Brasil, é o fim da democracia, da civilização ou da ordem social. Vêm na outra parte não um adversário com um projeto diferente para o país, mas um inimigo mortal.
O que é preocupante é a forma como esse ódio saiu da vida virtual e entrou, por exemplo, nas famílias e nas redes de amigos, provocando divisões inflamadas.
Sim, é uma característica nova que as redes sociais trouxeram à tona. Estimularam um ódio que estava dominantemente na Internet e que começou a aparecer também no mundo real, com assassinatos e violência motivados por divisões políticas. Não há chance de diálogo, é um diálogo de surdos, onde não se admite nenhuma crítica ao seu candidato e nenhum louvor ao outro candidato. Mas o clima da internet ainda é muito mais violento do que o clima geral, das ruas. A internet faz parecer que somos um país em guerra civil e nas ruas não é o que vemos. A nossa política sempre gerou essa violência, ainda que, ao contrário de Portugal ou dos Estados Unidos, nunca tenhamos eliminado um Rei ou um Presidente da República.
Bolsonaro foi hábil em levar a sua campanha para as redes sociais e capitalizar essa divisão profunda a seu favor.
Sendo ele um candidato novo, pertencendo a um partido que até agora era aquilo a que chamamos ‘nanico’, inexpressivo, e que agora é a segunda maior bancada na câmara dos deputados, a sua campanha conseguiu apostar muito mais em meios dinâmicos como as redes sociais do que nos programas de TV. Já ninguém vê propaganda política na televisão. Esta é uma campanha que está a acontecer essencialmente em grupos de WhatsApp, que passaram a ser considerados fontes de verdade. As fotomontagens e as fake news são vistas acriticamente, somos muito mais passionais do que racionais. Isto está insuportável. Você publica uma árvore dizendo que ela é o símbolo do Brasil e que o amarelo está florindo e alguém comenta: “É porque o PT não roubou esta árvore” ou “Com Bolsonaro essa árvore vai florir mais”. As pessoas estão monotemáticas e isso é um equívoco muito grave e que vai repetir-se durante bastante tempo. Pela primeira vez na História brasileira os jovens estão muito politizados, têm muitas opiniões, ainda que os eleitores no geral não tenham argumentos: as suas opiniões são postadas em bolhas epistémicas, bolhas de acesso à verdade, onde causam efeito de eco. Sentimos que todo o mundo está connosco porque só ouvimos quem está connosco. Talvez seja uma oportunidade para a nossa jovem democracia, que ressurgiu em 1985. O que é preocupante é que o estado democrático de direito não tem tantos entusiastas como tinha outrora. Pelo contrário, em nome do seu projeto as pessoas facilmente o sacrificariam.
Porque é que os brasileiros se desencantaram com a democracia?
É bastante claro que a formulação tradicional da nossa política, através de partidos, eleições reguladas, liberdade de imprensa, não representa mais a forma dinâmica como as pessoas querem ser representadas. A política é analógica e a nossa perceção do mundo é inteiramente digital. Abstrações como sistema e modo de governo pertencem a um debate intelectualizado, e o debate político do eleitor comum brasileiro é um pouquinho mais simples do que esse: ‘Lula deu-me Bolsa Família, ninguém tinha feito nada por mim antes, então voto em Lula, independentemente de qualquer denúncia de corrupção’; ‘Bolsonaro promete metralhar os bandidos, eu fui assaltado e odeio bandidos, então voto Bolsonaro, porque a democracia não garantiu a minha segurança’. Os argumentos são muito mais pessoais do que argumentos teóricos. Somos nós, os professores, os jornalistas, que falamos de princípios. Mas os princípios importam muito pouco à pessoa que está a pensar quanto vai custar abastecer o seu frigorífico, como é a segurança na cidade... Há um debate intelectualizado que não atinge a maioria, até porque temos analfabetos funcionais em grande quantidade. Democracia não é sinónimo de ética, mas de poder trazer à tona os deslizes éticos. Porque é que as empreiteiras afirmam que fazem o mesmo jogo sujo há três gerações e só apareceu agora? Porque agora temos democracia. No período militar não aparecia, então dizia-se que tudo era honesto, tudo era melhor. Não havia denúncias de corrupção na ditadura, e os escândalos da ditadura não apareciam na imprensa, como não aparecem hoje na Coreia do Norte ou em Cuba. As ditaduras não são transparentes, a democracia é. Por isso é que a democracia não causa esse entusiasmo, porque ela não traz o paraíso imediato que as pessoas querem. Tudo isso piorou porque temos pelo menos 13 milhões de desempregados e a crise económica acentuou-se. Se o dinheiro estivesse fluindo, se houvesse dinheiro para todos, a crise política não seria tão expressiva.
R. TRUMPAUSKAS
Os brasileiros estão a piscar o olho à possibilidade de regressarem a um regime militar?
Existe um equívoco: o governo de um militar não é necessariamente um governo antidemocrático. O Brasil teve um Presidente que era militar, Henrique Gaspar Dutra, que governou sendo famoso por ser fiel à Constituição de 1946, logo após a ditadura do nosso Estado Novo. Os EUA foram fundados pelo executivo de um general no ativo, George Washington. O voto universal foi instituído nos EUA por outro general, Andrew Jackson. E o governo de Eisenhower foi um governo de um militar, herói da Segunda Guerra, absolutamente democrático. Então, há uma fantasia que militar é o fim da democracia. Como nós, brasileiros, imitamos tardiamente modelos europeus e americanos, estamos a descobrir o apogeu da guerra fria, de direita vs esquerda, conservadores vs comunistas. Aquilo que terminou teoricamente em 1989 com a queda do Muro de Berlim, o Brasil acaba de descobri-lo com intensidade, acusando o outro de ser comunista ou fascista como supremo chingamento. Temos pouca habilidade na discussão de argumentos, porque temos uma tradição autoritária com pequenos hiatos democráticos, na qual o diálogo nunca foi o forte. Se tivesse de identificar qual é a maior herança que temos de Portugal, além da língua e da religião católica, diria que é o sebastianismo: um dia vai surgir um Presidente que resolva tudo, um líder sério, honesto e enérgico."
Em Cabo Verde, Dino reencontrou as origens e o futuro agora traduzido num álbum de afetos e relações com produção executiva de Kalaf
Quais são as origens deste mundo?
Sou português. Nasci em Quarteira, onde vivi vinte e um anos, onze no Porto, quatro em Lisboa, e sempre intercalando com Santiago. Os meus pais falavam em crioulo e eu respondia em português. A primeira vez que me chamaram “preto” só foi no segundo ano na escola. Essa professora até foi expulsa. Quarteira era uma cidade justa e estamos a falar de uma escola com 49 nacionalidades. Portugal sabe receber, apesar do que se diz dos refugiados. Por isso é que digo que sou uma herança feliz do colonialismo.
Este “Mundo Nôbu” é-o na primeira pessoa ou tem relação com passado?
Este “Mundo Nôbu” tem uma relação direta com o passado. Desde a minha infância, aliás ela está refletida ao máximo porque o meu pai ouvia muito Bulimundo, quando era o mundo novo em Cabo Verde com a introdução das guitarras elétricas e do funaná lento - até lá era tudo muito acústico. O funaná e o batuque passaram a ser património cultural quando até então eram censurados. Era o que gostava de ouvir mas nunca pensei vir a ter relação direta com esse património. Era o meu momento de trazer algo novo.
Porquê?
A primeira vez que cantei em Cabo Verde foi, curiosamente, com os Nu Soul Family (banda fundada por Virgul após a pausa que acabaria por ser definitiva dos Da Weasel). Foi lá que senti pela primeira vez o apelo. Cheguei, e toda a gente era igual. Entrava no supermercado e ninguém olhava para ver se tirava alguma coisa. Comecei a escrever e cantar em crioulo sem esforço. Não há muitos rodeios para se falar em sentimentos quando no português se pode dar a volta ao mundo só para dizer “amo-te”. Encontrei a minha voz com a música de Cabo Verde. Foi lá, em 2010/2011. Pensei que ia levar a novidade e acabei por descobrir-me a mim próprio.
Foi a nova lusofonia que te levou ao Kalaf e ao Branko?
Em 2013, gravei o [álbum] “Eva” já com o nome Dino D’Santiago - um tributo à ilha de Santiago. A partir daí, comecei a viajar muito. Coreia do Sul, Nova Iorque, Paris, Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, várias vezes a Alemanha, Inglaterra...O disco saiu pela Lusáfrica, a editora da Cesária Évora, e isso trouxe-me uma grande abertura do mercado da world music. A partir daí, senti a necessidade de deixar a ser a herança da Cesária, do Bana, do Tito Paris ou do Ildo Lobo. E o Dino onde é que está? Em Lisboa, falei com o Kalaf, aconselhado pela Sara Tavares. Ela aconselhou-me: “se queres mudar e fundir os teus mundos da soul, do hip-hop e do funk que abraça as raízes, quem te pode ajudar é o Kalaf”. E foi mesmo. Ele só me disse: “vai a Cabo Verde, grava tudo acústico e traz que eu arranjo as pessoas certas”. Então, conseguiu o [produtor] Paul Seiji por um acaso muito bom. Ele foi um dos impulsionadores da música eletrónica com tempero afro em Londres nos anos 90. O Kalaf e o Branko eram grandes fãs e iam várias vezes ouvi-lo. Ele soube ser um cavalheiro. Foi a Cabo Verde, ouviu-me no habitat natural quando chegava aos bares, começavam a tocar uma canção minha e eu ia para o palco. Compreendeu essa dinâmica e percebeu que não podia desvirtuar o meu mundo. Deu elementos eletrónicos mas de forma não invasiva. Estivemos um ano para gravar e ele demorou dois só em produção, a tirar tudo e a ir aos detalhes. Hoje em dia, não se investe esse tempo. Houve uma grande nobreza, quer do Kalaf, quer do Paul Seiji; e numa fase final, com a adição do Branko e do Pedro que produzem (respetivamente) o “Nova Lisboa” e o “Santa Catarina” e trouxeram o que faltava. Começámos a despir, a despir, até ficar só voz, batida e elementos etéreos. Ainda ontem estive a ouvi-lo. Posso namorar este disco porque teve duas fases, uma em que entrego, e outra em que vou descobrindo.
Este mundo são vários mundos?
São. Tem viagens de Santiago a Berlim, Londres, Lisboa, Nova Iorque, passando por Luanda. Quer fisicamente, quer na escolha de sons. Daí ter sido tão moroso. Tem uma génese muito lusófona, com predominância do crioulo, em que a minha escrita é mais intensa, mas o português é o casamento que faz abrir por todos os lados com a “Nova Lisboa” e o “Como Seria”. É bonito porque somos mais de 200 milhões de falantes. Porquê limitar?
É uma lusofonia a falar para o mundo?
Sem dúvida. É o centro deste mundo. Os ritmos explorados são todos influenciados pela lusofonia: o batuque, o funaná, o zouk, a morna e a coladera. Até os elementos de afro-house são influenciados pelo que sobe até Angola e depois é exportado. As matrizes [do disco] são o batuque e o funaná lento.
A “Nova Lisboa” é uma Lisboa mais inclusiva?
Lisboa é a única capital dos PALOP em que se encontram todos os mundos [da lusofonia]. Coabitam ao ponto de não se distinguir um guineense de um moçambicano ou santomense. Só sabes quando chegas a casa de alguém e o prato é uma moqueca ou uma moamba. Isso garantidamente só há em Lisboa porque já estive nas outras capitais. Por isso é que estão todos a vir para cá. Nelson Freitas, Mayra Andrade, Yuri da Cunha, o Paulo Flores está sempre cá, os Calema foram de São Tomé para Paris mas foi aqui que se consagraram. Eles sentem-se felizes cá. O pessoal encontra-se. Não é por acaso que os atores brasileiros estão a vir para cá. Existem as diferenças, sim senhor, mas as pessoas aculturam-se. Em Londres, de onde acabei de chegar, é tudo mais segmentado. Tens os jamaicanos, os chineses, os do Haiti...Em Lisboa, não é assim. Há bairros sociais, como em todos os países, mas a mistura acontece no centro da cidade.
A coexistência entre subúrbio e centro também se pacificou?
Sim, sinto mesmo isso. Basta ires a uma [festa] Na Surra ou uma noite da Príncipe para sentires isso. Vês o puto do bairro na roda com o tipo do Estoril ou de Campo de Ourique. Daí o “Nova Lisboa” [dizer] “deixa tarraxar mesmo sem saber”. É bonito. Não existe em muitos sítios. Por isso é que os ingleses vêm para cá fazer um festival Nova Batida.
A corrente mudou. Em vez de olharmos para fora com deslumbramento, é o inverso.
E hoje é o Paul Seiji a inspirar-se no Branko para trabalhar comigo. A minha grande vontade e bandeira deste disco é que seja um legado. Nós podemos pegar em ritmos portugueses. Não precisamos de usar a marcação rítmica do Drake. É possível pegar sons modernos e meter num semba ou marrabenta. Fazer o mesmo com fado. Tens o gospel que é ultraconservador, a soul já é o diabo mas ainda é perdoado, o r&b que já é pecado...É uma tradição em evolução. Está na hora de fazermos isso.
A Madonna vai usar esses ritmos?
Tenho a certeza absoluta. Ela saiu muito a ganhar com Lisboa. É de grande valor para a cidade ter alguém como a Madonna a amar os nossos ritmos. O meu produtor de Nova Iorque Rusty Santos percebeu o mesmo: “vocês têm de exportar isto antes que o Drake leve”. É esse trabalho de casa que falta. Por isso, é que as pessoas já se estão a juntar. Para criar um movimento lusófono. Apropriarmo-nos do que é nosso. Sermos uma réplica dos americanos não vai mudar as rádios. A música de Cabo Verde fez-me chegar ao Central Park, um dia antes de tocar o Stevie Wonder, e os americanos estavam malucos porque sentiam África. "