quarta-feira, 8 de março de 2017

nuno júdice_um rosto


Um Rosto

Apenas
uma coisa inteiramente transparente:
o céu, e por baixo dele a linha obscura do 
nos teus olhos, que pude ver ainda
através de pálpebras semicerradas, pestanas húmidas
da geada matinal, uma névoa de palavras murmuradas
num silêncio de hesitações. Há quanto tempo,
tudo isto? Abro o armário onde o tempo antigo
se enche de bolor e fungos; limpo os papéis,
cartas que talvez nunca tenha lido até ao fim, foto-
grafias cuja cor desaparece, substituindo os corpos
por manchas vagas como aparições; e sinto, eu
próprio, que uma parte da minha vida se apaga
com esses restos.

Nuno Júdice



2 comentários:

  1. Tristemente as memórias que se apagam levam partes de nós.
    Terno abraço meu Amigo.

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  2. Belíssimo poema e preciosa partilha, amigo Luís.

    Sou encantada com a poética do Nuno Júdice.

    Um bom domingo e um beijo.

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