Alda Lara (poetisa angolana)
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Trago os olhos naufragados
em poentes cor de sangue...
Trago os braços embrulhados
numa palma bela e dura
e nos lábios a secura
dos anseios retalhados...
Enrolada nos quadris
cobras mansas que não mordem
tecem serenos abraços...
E nas mãos, presas com fitas
azagaias de brinquedo
vão-se fazendo em pedaços...
Só nos olhos naufragados
estes poentes de sangue...
Só na carne rija e quente,
este desejo de vida!...
Donde venho, ninguém sabe
e nem eu sei...
Para onde vou
diz a lei
tatuada no meu corpo...
E quando os pés abram sendas
e os braços se risquem cruzes,
quando nos olhos parados
que trazem naufragados
se entornarem novas luzes...
Ah!
Quem souber,
há-de ver
que eu trago a lei
no meu corpo...
Alda Lara (poetisa angolana)
Prelúdio
Pela estrada desce a noite…
Mãe-Negra, desce com ela...
Nem buganvílias vermelhas,
nem vestidinhos de folhos,
nem brincadeiras de guisos,
nas suas mãos apertadas.
Só duas lágrimas grossas,
em duas faces cansadas.
Mãe-Negra tem voz de vento,
voz de silêncio batendo
nas folhas do cajueiro...
Tem voz de noite, descendo,
de mansinho, pela estrada...
Que é feito desses meninos
que gostava de embalar?...
Que é feito desses meninos
que ela ajudou a criar?...
Quem ouve agora as histórias
que costumava contar?...
Mãe-Negra não sabe nada...
Mas ai de quem sabe tudo,
como eu sei tudo
Mãe-Negra!...
Os teus meninos cresceram,
e esqueceram as histórias
que costumavas contar...
Muitos partiram p'ra longe,
quem sabe se hão-de voltar!...
Só tu ficaste esperando,
mãos cruzadas no regaço,
bem quieta bem calada.
É a tua a voz deste vento,
desta saudade descendo,
de mansinho pela estrada…
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