sexta-feira, 20 de junho de 2014
terça-feira, 17 de junho de 2014
segunda-feira, 9 de junho de 2014
OS RIOS ATÓNITOS (Ouvindo "Kongo", por Miriam Makeba)
Há palavras a dormir sobre o seu assombro
Por exemplo, se dizes Quanza ou dizes Congo
é como se houvesse pronunciado os próprios rios
Ou seja, as águas
pesadas de lama, os peixes todos e os perigos
inumeráveis
O musgo das margens, o escuro
mistério em movimento.
Dizes Quanza ou dizes Congo e um rio corre
Lento
em tua boca.
Dizes Quanza
e o ar se preenche de perfumes perplexos.
E dizes Congo
e onde o dizes há grandes aves
e súbitos sons redondos e convexos.
E dizes Quanza, ou dizes Congo
e sempre que o dizes acorda em torno
um turbilhão de águas:
a vida, em seu inteiro e infinito assombro.
“O canto de Agnes” por YANG Mija
Como é isso por
aí?
Sentes-te muito
só?
Ainda vês o
clarão avermelhado do anoitecer?
Os pássaros ainda
cantam a caminho da floresta?
Ainda os ouves?
Aceitas esta
carta que me atrevi a mandar?
Posso
transmitir-te a confissão que não ousei fazer?
Passará o tempo?
Fenecerão as
rosas?
É chegada a hora
De dizer adeus.
Como a brisa que
se demora
Para depois
partir
Tal como as
sombras
Às promessas que
nunca chegaram
Ao amor selado
até ao fim
Às ervas
Que me beijam os
tornozelos
Os minúsculos
passinhos
Que me seguem
É chegada a hora
De dizer adeus.
Agora que a noite
cai
Voltar-se-á a
acender alguma vela?
Aqui rezo
Ninguém derramará
lágrimas
Ninguém mais
sofrerá
E para que saibas
Quanto te amei
A longa espera
Em pleno e escaldante
dia de Verão
Um velho caminho
Que lembre o
rosto do meu pai
Até que a mais
solitária flor silvestre
Timidamente se
recolherá
Quão
profundamente amei
Ao ouvir tua
ténue canção
Como estremeceu o
meu coração
Abençoo-te
Antes de
atravessar este sombrio rio
Com o último
fôlego da minha alma
Começo a sonhar
Com uma soalheira
E luminosa manhã
Onde mais uma vez
acordo
Ofuscada pela luz
Para te encontrar
À minha frente.
(único poema escrito pela Autora, da Koreia do Sul,
já sexagenária, antes de se suícidar)
(único poema escrito pela Autora, da Koreia do Sul,
já sexagenária, antes de se suícidar)
ILHA
Tu vives
mãe
adormecida
nua e esquecida,
seca,
fustigada pelos ventos,
ao som de músicas sem música
das águas que nos prendem
Ilha:
teus montes e teus vales
não sentiram passar os tempos
e ficaram no mundo dos teus sonhos
os
sonhos dos teus filhos
a clamar aos ventos que passam,
e às aves que voam, livres,
as tuas ânsias!
Ilha:
colina sem fim de terra vermelha
terra dura
rochas escarpadas tapando os horizontes,
mas aos quatro ventos prendendo as nossas
ânsias!
Um poema de Amilcar Cabral - Praia, Cabo
Verde, 1945 -
Fonte : Suplemento a Semana nº 677, 3 de
Setembro de 2004
www.vidaslusofonas.pt/cabral
Revista ? África Lusófona ? , Ano 3- n.º 23
? Setembro / Outubro 2004
Juvenal Cabral, Memórias e Reflexões
domingo, 8 de junho de 2014
sexta-feira, 6 de junho de 2014
fado Meia-Noite _ Camané - Escada Sem Corrimão
Camané
Escada Sem Corrimão
É uma escada em caracol
e que não tem corrimão.
Vai a caminho do Sol
mas nunca passa do chão.
Os degraus, quanto mais altos,
mais estragados estão.
Nem sustos nem sobressaltos
servem sequer de lição.
Quem tem medo não a sobe.
Quem tem sonhos também não.
Há quem chegue a deitar fora
O lastro do coração.
Sobe-se numa corrida.
Corre-se p'rigos em vão.
Adivinhaste: é a vida
a escada sem corrimão.
Letra: David Mourão-Ferreira
Música: Reinaldo Varela (Fado Meia Noite)
José Afonso (Zeca) . Redondo Vocábulo
Era Um Redondo Vocábulo (letra e música de José Afonso)
Era um redondo vocábulo
Uma soma agreste
Revelavam-se ondas
Em maninhos dedos
Polpas seus cabelos
Resíduos de lar,
Pelos degraus de Laura
A tinta caía
No móvel vazio,
Congregando farpas
Chamando o telefone
Matando baratas
A fúria crescia
Clamando vingança,
Nos degraus de Laura
No quarto das danças
Na rua os meninos
Brincando e Laura
Na sala de espera
Inda o ar educa
Era um redondo vocábulo
Uma soma agreste
Revelavam-se ondas
Em maninhos dedos
Polpas seus cabelos
Resíduos de lar,
Pelos degraus de Laura
A tinta caía
No móvel vazio,
Congregando farpas
Chamando o telefone
Matando baratas
A fúria crescia
Clamando vingança,
Nos degraus de Laura
No quarto das danças
Na rua os meninos
Brincando e Laura
Na sala de espera
Inda o ar educa
quinta-feira, 5 de junho de 2014
Cristina Branco
"Construção"
Autoria: Chico Buarque
Amou daquela vez como se fosse a última
Beijou sua mulher como se fosse a última
E cada filho seu como se fosse o único
E atravessou a rua com seu passo tímido
Subiu a construção como se fosse máquina
Ergueu no patamar quatro paredes sólidas
Tijolo com tijolo num desenho mágico
Seus olhos embotados de cimento e lágrima
Sentou pra descansar como se fosse sábado
Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe
Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago
Dançou e gargalhou como se ouvisse música
E tropeçou no céu como se fosse um bêbado
E flutuou no ar como se fosse um pássaro
E se acabou no chão feito um pacote flácido
Agonizou no meio do passeio público
Morreu na contramão atrapalhando o tráfego
Amou daquela vez como se fosse o último
Beijou sua mulher como se fosse a única
E cada filho seu como se fosse o pródigo
E atravessou a rua com seu passo bêbado
Subiu a construção como se fosse sólido
Ergueu no patamar quatro paredes mágicas
Tijolo com tijolo num desenho lógico
Seus olhos embotados de cimento e tráfego
Sentou pra descansar como se fosse um príncipe
Comeu feijão com arroz como se fosse o máximo
Bebeu e soluçou como se fosse máquina
Dançou e gargalhou como se fosse o próximo
E tropeçou no céu como se ouvisse música
E flutuou no ar como se fosse sábado
E se acabou no chão feito um pacote tímido
Agonizou no meio do passeio náufrago
Morreu na contra-mão atrapalhando o público
Amou daquela vez como se fosse máquina
Beijou sua mulher como se fosse lógico
Ergueu no patamar quatro paredes flácidas
Sentou pra descansar como se fosse um pássaro
E flutuou no ar como se fosse um príncipe
E se acabou no chão feito um pacote bêbado
Morreu na contra-mão atrapalhando o sábado
Por esse pão pra comer, por esse chão pra dormir
A certidão pra nascer e a concessão pra sorrir
Por me deixar respirar, por me deixar existir
Deus lhe pague
Pela cachaça de graça que a gente tem que engolir
Pela fumaça e a desgraça, que a gente tem que tossir
Pelos andaimes pingentes que a gente tem que cair
Deus lhe pague
Pela mulher carpideira p'ra nos louvar e cuspir
E pelas moscas bicheiras a nos beijar e cobrir
E pela paz derradeira que enfim vai nos redimir
Deus lhe pague
Alda Lara (poetisa angolana)
Anúncio
Trago os olhos naufragados
em poentes cor de sangue...
Trago os braços embrulhados
numa palma bela e dura
e nos lábios a secura
dos anseios retalhados...
Enrolada nos quadris
cobras mansas que não mordem
tecem serenos abraços...
E nas mãos, presas com fitas
azagaias de brinquedo
vão-se fazendo em pedaços...
Só nos olhos naufragados
estes poentes de sangue...
Só na carne rija e quente,
este desejo de vida!...
Donde venho, ninguém sabe
e nem eu sei...
Para onde vou
diz a lei
tatuada no meu corpo...
E quando os pés abram sendas
e os braços se risquem cruzes,
quando nos olhos parados
que trazem naufragados
se entornarem novas luzes...
Ah!
Quem souber,
há-de ver
que eu trago a lei
no meu corpo...
Alda Lara (poetisa angolana)
Prelúdio
Pela estrada desce a noite…
Mãe-Negra, desce com ela...
Nem buganvílias vermelhas,
nem vestidinhos de folhos,
nem brincadeiras de guisos,
nas suas mãos apertadas.
Só duas lágrimas grossas,
em duas faces cansadas.
Mãe-Negra tem voz de vento,
voz de silêncio batendo
nas folhas do cajueiro...
Tem voz de noite, descendo,
de mansinho, pela estrada...
Que é feito desses meninos
que gostava de embalar?...
Que é feito desses meninos
que ela ajudou a criar?...
Quem ouve agora as histórias
que costumava contar?...
Mãe-Negra não sabe nada...
Mas ai de quem sabe tudo,
como eu sei tudo
Mãe-Negra!...
Os teus meninos cresceram,
e esqueceram as histórias
que costumavas contar...
Muitos partiram p'ra longe,
quem sabe se hão-de voltar!...
Só tu ficaste esperando,
mãos cruzadas no regaço,
bem quieta bem calada.
É a tua a voz deste vento,
desta saudade descendo,
de mansinho pela estrada…
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