domingo, 7 de junho de 2020

João de Barros_Uma gaivota êxul...



UMA GAIVOTA ÊXUL...



Uma gaivota êxul morreu no Mar...

E o seu corpo, de cândida energia,

Sobre uma onda veio naufragar

Ao cais d´onde partira, certo dia...



Tinha as asas abrindo ao vento...O peito

Arqueado ainda, como se aspirasse

O perfume do largo - e insatisfeito

Mais distância quisesse e conquistasse.



E em seus olhos, que a Morte não cerrara,

Tanto a sede do ignoto os desvairou

- Fiquei-me a adivinhar a visão clara

D´um mundo que só ela desvendou...



Nesta doce manhã de Primavera

Não entristece vê-la morta, assim :

- Voo quebrado à hora da quimera,

Quando a vida parece não ter fim...



É que nesse cadáver pequenino,

Crispado num tormento quase humano,

Não se apaga a alegria dum destino

Que foi Sol, que foi Céu, que foi Oceano !...



Ah ! pudesse eu morrer de igual loucura,

Na avidez de voar e de partir,

Com asas de ansiedade e de aventura

Entre a graça de espumas a florir !...



Mas que o embalo das ondas não me traga

Ao porto onde embarcar o meu desejo :

- Que uma vaga me leve, que uma vaga

Á distância me enlei o último beijo...



Pois eu quero julgar que o ritmo ardente

Do meu sangue, sequioso de paixão,

Fica no Mar pulsando eternamente :

- Como se fosse o Mar que sonha e sente

O sangue do meu próprio coração !...



João de Barros

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