PRIMEIROS ANOS
Para uma vida de merda
nasci em 1930
na rua dos prazeres
Nas tábuas velhas do assoalho
por onde me arrastei
conheci baratas, formigas carregando espadas
caranguejeiras
que nada me ensinaram
exceto o terror
Em frente ao muro negro no quintal
as galinhas ciscavam, o girassol
gritava asfixiado
longe longe do mar
(longe do amor)
E no entanto o mar jazia perto
detrás de mirantes e palmeiras
embrulhado em seu barulho azul
E as tardes sonoras
rolavam
sobre nossos telhados
sobre nossas vidas .
Do meu quarto
ouvia o século XX
farfalhando nas árvores lá fora.
Depois me suspenderam pela gola
me esfregaram na lama
me chutaram os colhões
e me soltaram zonzo
em plena capital do país
sem ter sequer uma arma na mão.
Ferreira Gullar
variações em do' maior
e, no entanto,
tudo igual
(se não pior), como então:
a Mata e o Capitão
mota-serra nessa mão
fuzil nesse "cabrão"
que e' primo do
"meu primo Balduino"
um qualquer da areia capitão
um qualquer da areia capitão
para não falar da ditadura
longe de causar amargura
tem exemplo
tem candura
seja no chile
seja onde quer que surja
nesta latina armadura
nesta latina armadura
erradicar o "comuna"
tudo igual
sem brandura.
assim penso e,
curioso
já pensava
só que o povo
acreditava
que era "eu", ou ninguém
para "ordem e progresso".
elegeu-me
(mas que merda)...
mal sabiam
o que os espera.
lmc
mal sabiam
o que os espera.
lmc
Conheço a poesia de Ferreira Gullar: um poeta sem papas na língua. Gosto de o ler e gostei de o encontrar aqui.
ResponderEliminarUma boa semana.
Um beijo.