o admirável documentário de Bruce Weber:
Let’s Get Lost (1988) é um documentário sobre a vida turbulenta e a carreira do trompetista de jazz Chet Baker. Escrito e dirigido por Bruce Weber, Let’s Get Lost é um dos mais belos filmes reais feitos sobre o universo do jazz no séc. XX e o mais marcante dedicado à figura singular de Chet Baker.
"Há sempre uma encruzilhada na vida de um homem normal. Talvez várias na vida de um homem que escape à mediania. Uma ou várias implicam escolher. Pode ser a decisão de dar ou não dar um beijo, o destino de uma paixão, a escolha de um amor (sim, o amor também é uma escolha). Para alguns a descoberta de uma vocação, por vezes a opção entre uma vida livre a sofrer ou uma do tipo vegetativa, rica e sem dramas. Com princípio, meio e fim, ignorando a dor, própria ou alheia."
"Aos primeiros minutos de Let's Get Lost vemos um Chet Baker com 50 e muitos anos, de olhar enigmático, sentado num Cadillac descapotável, rodeado de duas jovens mulheres. O imaginário romântico típico de um músico de jazz. Esta- mos em 1987 e mal imaginava Bruce Weber, o realizador, que poucos meses depois dessas filmagens, Chet Baker acabaria morto numa rua de Amesterdão, depois de, conta a história, ter caído da janela do hotel onde estava instalado. O retrato daquele que foi uma das maiores referências do chamado cool jazz da costa oeste dos EUA chega agora ao formato DVD em Portugal.
No entanto nada há de romantismo na vida de Chet Baker. É verdade que, nos tempos de juventude, a sua figura lembrava estrelas como James Dean ou Montgomery Cliff. Apareceu em filmes como Hell's Horizon (1955) ou Howlers of the Dock (1960), e no mesmo ano a sua vida deu origem à longa-metragem All the Fine Young Cannibals. Mas este documentário de Bruce Weber não romantiza o trompetista. Em Let's Get Lost tanto vemos um Chet Baker que, dado ao seu talento, marcou a história do jazz, como um Chet Baker desapontado com a vida, viciado em heroína, que bateu nas mulheres que o acompanharam, que negligenciou os filhos.
Há ainda assim algo de poético na forma como Bruce Weber nos mostra Baker em Let's Get Lost. Provavelmente por tê-lo filmado sempre a preto e branco, ao que juntou várias imagens de arquivo, do auge criativo do trompetista, sem com isto criar um efeito perverso de contraste entre o esplendor da juventude e a decadência do fim da vida.
É verdade que Bruce Weber ficou conhecido especialmente pela sua carreira como fotógrafo de moda, tendo com grande referência a estética dos anos 1940/ /50. Já realizou também telediscos para Pet Shop Boys e Chris Isaak. Em Let's Get Lost entregou-se à vida de Chet Baker, experiência que, definiu ao Austin Chronicle como "selvagem e excêntrica".
Foi no início dos anos 1950 que Chet Baker começou a dar que falar no circuito jazz da costa oeste dos EUA, especialmente quando em 1952 se juntou ao Gerry Mulligan Quartet. Depressa o quarteto se torna um caso de sucesso, mas Baker acabaria por voar mais alto. Weber chegou mesmo por descrever o músico com alguém "que queria ser livre como um pássaro, alguém mágico e inesquecível".
Depois de reconhecido como trompetista, decide apostar no canto. A forma simples e sussurrada com que deu voz a um Almost Blue tornaram-no um ícone. Mas com o reconhecimento vieram também os problemas com drogas, que o levaram no início dos anos 60 a ficar preso durante mais de um ano em Itália e em 1966 a ficar sem os dentes, história que nem no documentário se descobre bem como se passou. Esteve durante anos ausente. Mas regressaria aos palcos com a ajuda de Dizzy Gillespie.
E este percurso é também revelado em Let's Get Lost, que celebra a vida e obra de um dos mais talentosos músicos de jazz."
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"Tirando aquela parte em que o entrevistador pergunta a Chet Baker qual terá sido o momento mais feliz da sua vida, cuja compreensão — digo eu, que não sou tão exagerado como ele ou Faulkner — só está ao alcance de um alfista(*), recordo aquele momento em que Baker, olhando para si próprio, diz o que aconselharia a um filho. Era mais ou menos isto: descobre o que queres ser, vai por ti, e depois procura ser um génio no que escolheste.
O problema é que nem todos têm o mesmo grau de loucura nas escolhas que fazem para atingirem a genialidade. E depois é preciso levar o resto da vida a conviver com isso. Uma chatice.
A diferença entre um homem e um génio está na sua dose de loucura.
E ser capaz de colocá-la ao serviço dos outros dando prazer a si próprio. Seja na literatura, na pintura, na música, na medicina, num artigo de jornal ou numa sala de audiências, sem nunca se esquecer que a genialidade só pode ser reconhecida se no meio de toda a loucura o génio ainda for capaz de realizar que vive em sociedade. E por causa dela.
Os outros tornam os génios menos infelizes quando reconhecem a sua loucura. Sem dizê-lo. E ao tirarem partido dela, em cada instante, ainda quando não o reconhecem, ajudam a prolongá-la. A realização do génio passa por trazê-lo até à nossa dimensão. Até à ignorância. É nisso que está a genialidade. E só os que humildemente o aceitam conseguem atingir esse estatuto. Almost Blue.
(*) Contra tudo o que se poderia imaginar, Baker diz ter sido o momento em que guiou pela primeira vez o seu Alfa Romeo. Eu não vou tão longe, embora não possa deixar de sorrir."
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