sábado, 29 de junho de 2019

Xavier Rudd_ Spirit Bird


Wanderlust
Publicado a 13/07/2016

Xavier Rudd is an Australian singer and songwriter. He also plays several instruments, including the guitar, harmonica, didgeridoo, and banjo, among others. Much of Xavier’s music incorporates socially conscious themes, such as environmentalism, and is considered to have a spiritual connotation. One of Xavier’s great-grandmothers was an Aboriginal Australian and some of his music speaks to the plight of the Aboriginal people, who still face extreme marginalization today. His album, Spirit Bird, and the title track were created after Xavier’s encounter with a red-tailed black cockatoo in Australia. He had a powerful experience of imagery and emotion, stating: “A lot of that [album] grew out of me giving myself to that country up in the Kimberley and that country gave it back to me… I’d been on a bit of a journey and Spirit Bird represents that.” – Xavier Rudd



_Xavier Rudd - Spirit Bird (2 hours HD)


Give it time and wonder why 
Do what we can laugh an we cry 
And we sleep in your dust because we've seen this all before
Culture fades with tears and grace 
Leaving us stunned hollow with shame 
We have seen this all, seen this all before
Many tribes of a modern kind, 
Doing brand new work, same spirit by side, 
Joining hearts and hand and ancestral twine, ancestral twine
Many tribes of a modern kind, 
Doing brand new work, same spirit by side, 
Joining hearts and hand and ancestral twine, ancestral twine
Slowly it fades
Slowly we fade
Slowly you fades
Slowly you fade
Spirit bird she creaks and groans 
She knows she has, seen this all before she has, seen this all before
Spirit bird she creaks and groans she knows she has, 
Seen this all before she has, seen this all before she has
Slowly you fade
Slowly it fades
Slowly you fade
Slowly you fade
Slowly you fade
Soldier on soldier on my good country man
Keep fighting for your culture, 
Now keep fighting for your land
I know its been thousands of years
And I feel your hurt and I know its wrong 
And you feel you've been chained and broken and burned 
And those beautiful old people 
Those wise old souls have been ground down for far too long
By that spineless that greedy man that hearless man deceiving man 
That government hand taking blood and land taking blood and land and still they can 
But your dreaming and your warrior spirit lives on and it is so so so strong 
In the earth in the trees in the rocks in the water 
In your blood and in the air we breath
Soldier on soldier on my good country man, 
Keep fighting for your children now keep fighting for your land
Slowly it fades 
Slowly you fade
Slowly it fades
Slowly it fades
Give it time and we wonder why 
Do what we can laugh and we cry and we sleep in your dust because we've seen it all before.


Compositores: Xavier Rudd


Spirit Bird (tradução)

Pássaro Espírito
Dê um tempo, nós queremos saber porque
o que podemos fazer, rir ou chorar
E nós dormirmos em sua poeira
Porque nós vimos tudo isso antes
desaparece a cultura com lágrimas e graça
Deixando-nos atordoados, ocos e com vergonha

Já vimos isso tudo, visto tudo isso antes
Muitas tribos de um tipo moderno
Fazendo um novo trabalho
mesmo espírito a lado e unindo corações e mãos
em fio ancestral, fio ancestral
Muitas tribos de um tipo moderno
Fazendo um novo trabalho
mesmo espírito a lado e unindo corações e mãos
em fio ancestral, fio ancestral

Lentamente ele desaparecerá
Lentamente desaparecerá
Lentamente você desaparece
Lentamente desaparecerá

um Espírito pássaro, ele range e geme
Ele sabe, ele já viu tudo isso antes, ele já
passou por tudo isso antes, ele tem
um Espírito pássaro, ele range e geme
Ele sabe, ele já viu tudo isso antes, ele já
passou por tudo isso antes, ele tem

Lentamente você desaparece
Lentamente ele desaparecerá
Lentamente você desaparece
Lentamente você desaparece

Soldado, soldado do seu bom país, cara
continue lutando por sua cultura, agora
Continue lutando por sua terra
Eu sei que tem passado milhares de anos

E eu sinto sua dor
E eu sei que é errado
E você sente que você foi acorrentado
Quebrado e queimado
E essas pessoas velhas bonitas
As sábias velhas almas foram castigadas

Por muito tempo
Por que o homem é covarde, o homem é ganancioso
o homem é sem coração
o homem é enganado, pela mão do governo
Tomando o seu sangue e a sua terra
E ainda podem

Mas seu sonho e as suas vidas de um espírito guerreiro
E é tão, tão, tão forte
Na terra, nas árvores, nas rochas
na água, no sangue e no ar que respiramos
Soldado, soldado do seu bom país, cara
continuar a lutar por seus filhos, agora
Continue lutando por sua terra

Lentamente ele desaparecerá
Lentamente desaparecerá
Lentamente você desaparece
Lentamente ele desaparecerá

Dê um tempo, nós queremos saber porque
o que podemos fazer, rir ou chorar
E nós dormirmos em sua poeira
Porque nós vimos tudo isso antes.

terça-feira, 18 de junho de 2019

João Luís Barreto Guimarães_Entrevista

ENTREVISTA

"Cem poemas e alguém que primeiro olha o seu universo mais privado e depois avança para o mundo


Irónico, melancólico, atento ao detalhe e ao absurdo, João Luís Barreto Guimarães faz uma reflexão sobre a sua obra, quando passam 30 anos sobre o primeiro livro, e reconhece um percurso de continuidade. O resultado é a antologia O Tempo Avança por Sílabas, cem poemas e o caminho de alguém que, primeiro, olha o seu universo mais privado e quotidiano e depois avança para o mundo, recolhendo-se outra vez.Isabel LucasPassaram 30 anos desde a publicação de Há Violinos na Tribo, o livro de estreia na poesia de João Luís Barreto Guimarães (Porto, 1967). Nesse livro já era visível a ironia que se manteve como uma das marcas de uma escrita sobre o quotidiano. Primeiro, o quotidiano mais doméstico, seus objectos e rotinas, que depois se alargou ao do país para se tornar global e político num percurso de dez livros que o poeta releu de forma crítica. Dessa leitura, escolheu cem poemas, 50 dos primeiros sete livros, outros 50 dos últimos três, um aparente desequilíbrio numérico que tem uma razão: os livros mais recentes resultaram de um momento de paz na escrita — ou seja, como refere nesta conversa, tudo o que é “periférico” ao acto criativo deixou de se intrometer e o poeta pode apenas escrever, enquanto exerce o seu outro ofício: a medicina.

O Tempo Avança por Sílabas (Quetzal) é quase uma autobiografia. Nela, há um homem no seu tempo a olhar-se e ao que o rodeia, de forma irónica, nostálgica; ele é alguém com um sentido de derrota que perdeu Deus no dia em que perdeu o pai e que se ri, porque o absurdo vai dominando e que diz: “Tenho uma atitude sobre o presente que não é de uma alegria total, porque isso corresponderia a uma mentira.”

Como seleccionou estes poemas?
Uma antologia era uma ocasião para eu, publicamente, reflectir sobre a minha escrita. Cada vez que edito um livro, tento perceber como se situa em relação aos anteriores; tenho a ideia da continuidade da obra. O Egito Gonçalves [editor, poeta, tradutor] falava-me disso, que cada livro que fazia devia acrescentar qualquer coisa à obra. Comigo há um processo semelhante. De certa forma, deve até ser escrito na continuidade da obra e contra essa própria obra no sentido em que haja uma voz e uma obra que cresçam. Esta antologia tinha dois desafios: perceber qual o peso relativo de cada um dos dez livros nesses dois números redondos, 30 anos/100 poemas, e eu perceber que tipo de continuidade era essa que pressentia existir e que agora deveria mostrar.


Foto NELSON GARRIDO

O que mais interessa a este poeta que opera é, diz, falar do presente volátil, do agora.Misturar a mitologia individual com a mitologia colectiva

O que saiu dessa reflexão?
O meu critério aritmético básico foi que iria colocar 50 poemas dos sete livros que vieram na Poesia Reunida em 2011 e 50 poemas dos três livros autónomos que saíram a seguir. Acho que os dois últimos livros da Poesia Reunida, principalmente o último, A Parte pelo Todo [2009], marca uma maturidade temática na minha obra. É a altura em que os temas deixam de se preocupar meramente com o individual, o eu, a casa, a rua e a cidade e os outros na cidade e passam a preocupar-se com tudo isso, mas no país e, a partir do final de Você Está Aqui [2013], esse país na Europa. Este processo não é imune à actualidade. Torna-se um pouco impossível ser autista a partir do início da crise. Pelas leituras que fazia e pelas influências que recebia, já procurava inserir a minha obra no contexto da poesia europeia contemporânea e anglo-saxónica, no sentido em que inclui a do Reino Unido e a americana. Deixo de tentar perceber qual é o meu lugar na rua, no café, na cidade, para perceber o meu lugar no meu país e no meu contexto mundial, porque me considero um poeta europeu e não meramente um poeta nacional.


O que significa ser um poeta europeu?
Que respondo por uma tradição que não é só a portuguesa, embora não a renegue. Sou discípulo de Cesário Verde, de Alexandre O’Neill, quero ser discípulo de João Miguel Fernandes Jorge e do Manuel António Pina e de outros, mas também sou de Philip Larkin, de Wislawa Szymborska. A minha geração, de forma mais visível, vai buscar os seus referentes não só à sua tradição nacional, mas à tradição das traduções. As traduções têm um boom na Europa. Como poeta estou muito atento à tradição, mas não me interessa falar do passado na minha poesia.
O mundo é absurdo e a maneira mais eficaz de reagir às adversidades é ter essa vitória dos derrotados de plasmar esses momentos através da aparente vitória da ironia; é uma linguagem que permite avançarJoão Luís Barreto Guimarães


Apesar de o sentido histórico ser uma das características da sua poesia?
Mas o que mais me interessa é falar do presente volátil, do agora. É uma história que nasce de uma lição que julgo ter aprendido com João Miguel Fernandes Jorge: a que mistura a mitologia individual com a mitologia colectiva. Há um primeiro estrato no poema que parece que fala de um acontecimento quotidiano que se passou comigo na minha cidade ou numa viagem numa cidade estrangeira, mas imediatamente o poema faz referência a outra coisa, seja a literatura de outro poeta, ou, muitas vezes, a ciência, a biologia, a política, inúmeras vezes a arte, a pintura, a escultura, a própria religião. Nesse contexto surgem livros como Você Está Aqui, ou Mediterrâneo, que faz uma leitura das nossas origens nas civilizações mediterrâneas, ou Nómada, sobre a viagem do pensamento.

O que é que essa reflexão quer expressar?
O mundo global. A multitude de vozes e línguas que constituem a poesia europeia e a poesia anglo-saxónica nos dias de hoje.

Mas em casa ou no mundo não descola do real. Como descreve a sua relação poética com o real?
Há sempre qualquer coisa que tem de funcionar como gatilho para o poema. É algo que me é trazido pela audição, ou pela visão; algumas vezes pela leitura. É estar atento ao que nos circunda. E imediatamente começo a destapar e a descascar esse real. O Günther Grass tem a imagem da cebola. Costumo dizer que sou um céptico inconformado no sentido em que não espero demasiado das coisas, mas também me recuso a que as coisas não tenham nada para me dar e procuro segundos e terceiros sentidos e relações. É desse espanto inicial, ou dessa capacidade de as coisas me surpreenderem, que nasce a vontade de escrever e mostrar esse objecto primeiro sob a forma de uma transfiguração. Depois recorro aos instrumentos da poesia — as imagens, os sons, os ritmos. Escolhi representar a minha visão do mundo através da arte poética.

Quando era mais novo, tive uma relação com a música, cheguei a ter uma relação com o desenho, mas fixei-me nas palavras e nisso recorro aos meus instrumentos preferidos, a ironia e o humor. É o jogo que me apraz e a que me dedico através da escrita de poesia.

Como descobriu que a sua linguagem poética passava pelo humor e pela ironia?
A ironia é como se fosse uma vitória dos derrotados.

FotoNELSON GARRIDO

A ironia é-lhe natural?
O sentido de derrota é natural em mim.

Sabe de onde vem?
Vem da constatação de que no final vai haver uma derrota.

Num dos seis poemas fala da derrota pelo tempo.
Sim, acredito no mundo como uma sucessão derrotas com bolus de felicidade e persigo o fenómeno de parar o tempo num determinado bolus de felicidade, mesmo através da tentativa de suspensão desses momentos na escrita. Isso está nalguns poemas de Mediterrâneo que são quase epifanias, em que através de uma imagem súbita se tenta apreender aquele momento através de uma felicidade verbal, quase uma epifania química. Mas julgo que tenho no meu discurso o instrumento da ironia desde muito novo e percebi, ao longo do processo de maturidade, que hoje não se pode escrever sem ironia.

Porquê?
Porque o mundo é absurdo e a maneira mais eficaz de reagir às adversidades é ter essa vitória dos derrotados de plasmar esses momentos através da aparente vitória da ironia; é uma linguagem que permite avançar. No momento funciona quase como um prémio de consolação, mas a médio prazo permite que o episódio fique registado como uma queda que nos permitiu avançar. A tragédia e a comédia estão muito próximas, sempre estiveram. Até há quem diga que a tragédia é a comédia mal desenvolvida e a comédia é a tragédia pouco desenvolvida. Isso vê-se em grandes obras literárias e de dramaturgia. Faço disso um instrumento para lidar com o quotidiano.

E consegue determinar a melancolia, mais vincada nos último livros?
Essa melancolia tem mais que ver com a poesia em si; é aquilo que o leitor comum espera da poesia: espera mais melancolia do que ironia. Tem mais que ver com a minha percepção da perenidade do tempo e da passagem do tempo. Posso não ser um poeta que reflecte muito sobre o passado no sentido melancólico ou de perda desse tempo passado, como quem diz “podia ter feito diferente” ou “lamento não poder repetir”, mas tenho uma atitude sobre o presente que não é de alegria total, porque isso corresponderia a uma mentira.

Com os versos procuro atingir uma mistura explosiva de verdade e de beleza. Nunca poderia em consciência fugir do que penso que é a verdade, porque isso está relacionado com a minha ética enquanto poeta. Talvez a melancolia me permita ter uma atitude, perante o presente, de aceitação do facto de que o tempo avança por sílabas, é imparável.

FotoNELSON GARRIDO

Essa é uma frase de um dos livros, escolhida para título.
O verso existe na quarta estrofe do poema que abre o meu primeiro livro. Esse poema não está incluído neste livro. Ao ler estes livros, percebo que a personados poemas não foge de uma relação autobiográfica.

Nunca?
Por vezes pode ser tentada a escrever com a mentira da imaginação; pode ser tentada a procurar o verso ideal, mas o máximo de mentira a que isso corresponde é pontualmente juntar no mesmo poema dois episódios que cronologicamente não se passaram no mesmo tempo, mas têm de se ter passado. Não sei de onde vem esta obsessão pela verdade, mas faz parte da ética desta escrita. Tenho dificuldade em escrever numa terceira voz.

O eu é o eu do autor.
Ou pelo menos é a construção que faço de mim. Os poemas são exercícios artificiais — por mais que haja uma preocupação de utilizar uma linguagem quotidiana, a linguagem que se fala todos os dias. Julgo que era Marianne Moore [1887-1972] que dizia que era preciso escrever numa linguagem que cães e gatos pudessem ler. O uso de referentes e de substantivos nesta poesia, nesse sentido, é algo enganosa, porque vai buscar uma linguagem quotidiana para depois a transcender e transfigurar para outros estratos. Isso cria uma sensação de aparente superficialidade que não corresponde ao trabalho de revisão a que os poemas são sujeitos e aos níveis de leitura que apresentam. Mas a tentativa de aproximar essa linguagem da fala comum e da fala coloquial do seu tempo é propositada.
Acredito no mundo como uma sucessão derrotas com bolus de felicidade, e persigo o fenómeno de parar o tempo num determinado bolus de felicidade, mesmo através da tentativa de suspensão desses momentos na escritaJoão Luís Barreto Guimarães

Ao reler, percebi que o quotidiano era uma preocupação e uma fonte de inspiração e tive o cuidado de colocar na página de trás de cada cortina uma pequena epígrafe da obra a que se refere; ao mesmo tempo que preenche essa página em branco, cria uma continuidade na leitura da antologia; deixa de haver uma separação tão abrupta. Isso acaba por funcionar como uma leitura crítica que o poeta faz da sua obra. Queria perceber se também a leitura dessas dez epígrafes criava uma continuidade.

Outra ferramenta convocada é a memória. Como é que ela se manifestou neste trabalho e na relação, por exemplo, com os primeiros poemas?
Recordo-me mais dos poemas enquanto objectos, enquanto máquinas que se lêem e se repetem e existem na medida em que são lidos — o poema só existe se for reinterpretado pelo leitor, ou se o leitor reagir a esse poema —, do que das situações que os ocasionaram. A minha verdade sobre essas circunstâncias passou a ser a dos poemas — ou seja, quanto mais para trás andamos, mais o meu álbum de memórias é o poema e não a situação. O poema funciona como uma memória escrita do que foi a minha vida.

Conseguiria fazer a biografia do escritor através da poesia que escreve?
Se desenvolvesse, por exemplo, em prosa, a leitura que faço dos poemas, era capaz de ir buscar a minha memória ideal daqueles momentos. É como na epígrafe que escolhi para o Mediterrâneo: “Se eu não guardar num poema esta hora atravessada, nem ela nem esta tarde alguma vez existirão.” Se não deixarmos um registo da nossa inscrição no mundo num determinado momento numa determinada circunstância provavelmente essa circunstância e esse momento perdem-se para sempre. Isso tem muito que ver com a atitude que os criadores querem ter ou precisam de ter para com a vida.

Em Lugares Comuns cedeu à tentação da prosa.
É um livro de 52 poemas em prosa passados em 52 semanas sentado à mesa de um café. Nessa altura, em 1994 e 1995, andava a ler os pequenos poemas em prosa do Baudelaire, o Spleen de Paris, e por uma circunstância profissional, enquanto médico, ia muito a um café na Avenida da Boavista, no Porto, e passava lá algumas horas. Esse livro esteve para se chamar Poesia em Directo, porque queria fazer um registo de crónica, quase jornalístico, utilizando linguagem poética, do que se passava à frente dos meus olhos. Se acontecer, entra para o poema, se não acontecer, não entra, como, aliás, diz o poema do dia 21 de Dezembro, em que um amigo toca no vidro e, se não tivesse tocado no vidro, não teria entrado no poema. Isso correspondia à atitude do voyeur ou até do flâneur, que regista o que é urbano, cosmopolita. Para essas circunstâncias, entendi que a prosa, pela semelhança com a crónica, era a linguagem mais adequada. Mas nunca mais escrevi prosa, excepto a crónica que escrevi durante um ano para o Jornal de Notícias.

Há neste livro uma dedicatória especial a todos os seus editores. Porquê?
Foram pessoas excepcionais ao longo do meu trabalho; alguém que na altura própria leu o manuscrito que apresentei e conseguiu perceber alguma centelha de qualidade que permitiu que estejamos a segurar esta antologia. Todos foram importantes — estão aqui editores do Porto, de Lisboa, independentes, de grandes editoras; alguns já faleceram, como Egito Gonçalves ou André Jorge; outras editoras já fecharam e há a relação com o Francisco [José Viegas] que me permitiu que a seguir à Poesia Reunida nunca mais tivesse necessidade de procurar uma editora e que possa ter uma paz de espírito que me permitiu dedicar-me ao acto criativo a tempo inteiro. Os leitores não imaginam o que isso representa de tranquilidade para um escritor, porque tudo quanto é periférico e não interessa ao acto criativo fica superado. Costumo dizer que até essa altura eu era um cirurgião que escrevia poesia e a partir dessa altura sou um poeta que opera.

Há um primeiro editor que não está aqui mencionado e terá tido papel decisivo: o editor do DN Jovem, no qual começou a publicar. Deu-lhe a ler poetas e uma geração que não conhecia.
Eu estava na tradição, estava no Cesário Verde, que não renego, que é de uma modernidade extraordinária, estava no António Gedeão. Havia uma secção no final do suplemento em que, tendo em conta a voz poética de cada um daqueles futuros poetas, o Manuel Dias fazia recomendações de leitura e foi ele que, por escrito, me disse: tens de ler João Miguel Fernandes Jorge, Al Berto, António Franco Alexandre, o Joaquim Manuel Magalhães, Hélder Moura Pereira. Eu nem sabia que existiam. Naquela altura a distribuição dos livros de poesia ainda era mais complicada. Ao ler as obras deles percebi que havia outro tipo de vocabulário, outro tipo de linguagem, que não supunha que pudesse fazer parte da poesia e que os poemas não tinham de rimar, nem sequer os versos tinham de ter o mesmo número de sílabas. Na minha cabeça de 16, 17, 18 anos, aquilo foi uma revolução — perceber que a poesia podia ser quase o que quiséssemos.

Quase?
A poesia não pode completamente virar as costas às suas regras; algumas têm de lá estar como fio condutor. Ou o tom, ou o ritmo, ou o uso de imagens; a prosódia não pode ser a de um artigo jornalístico, nem ser completamente a de uma conversa banal. Isso faz-se uma vez e o poeta que fizer isso pela primeira vez deixa a sua marca, mas depois é inimitável. Normalmente essas ideias resultam de becos sem saída. Faz-se uma vez, ficou escrito, ficou inscrito na história da poesia e depois é preciso partir para outra descoberta. É assim que a arte e as ciências evoluem. Podemos inspirar-nos na tradição, mas depois convém que a arte seja aquilo que o Pound dizia: make it new. Mesmo quando qualquer coisa é passível de ser assunto para um poema, ou especialmente por isso.

Falou de novas temáticas. Há um momento em que elas são evidentes, como o aparecimento da morte. A ideia de Deus e o pai terem morrido no mesmo dia. A morte impôs-se no real?
Sim. A morte, que era uma coisa da qual falava até com um pouco de distância lírica, de repente passa a ser a morte do pai. Eu vivia naquela preguiça de não questionar até que ponto a minha fé em Deus era uma fé genuína, vinda de dentro, ou apenas mais uma das muitas coisas transmitidas na minha educação. Não pensava nisso, porque não era um problema. Já tinham acontecido na família as mortes dos avós, mas, cronologicamente como geograficamente, eram-me distantes. De repente, há uma morte próxima e tenho de lidar com ela. Nesse rito de passagem de nos perguntarmos o que acontece ao corpo, para onde vai a alma, o que fica depois de uma destas mortes, a ciência venceu a religião, e a religião morreu nesse momento, do ponto de vista de crença, e renasceu do ponto de vista da arte. A ida a uma igreja passa a ser a ida a um museu; não para rezar mas para admirar a arte. A relação com o divino passa a ser através da arte e de um certo misticismo que o tempo traz. Não passo a compreender as coisas; deixo é de aceitar que sejam explicadas do ponto de vista de um deus antropológico. E começo a pensar em cosmos, a ler coisas de física, que também não me dão as respostas que quero, e começo a fazer o percurso do minimalismo e da contemplação sem explicação, quase uma coisa oriental, quase budista.

Deixou de procurar respostas.
Procuro perguntas.

A poesia ajuda-o a formulá-las?
E ajuda-me a aceitar que a resposta a uma pergunta é a pergunta seguinte. Nem que caia num domínio filosófico que até choca um pouco com o concreto dos meus objectos e essa coisa do escrever sobre os objectos. Ajuda-me a construir os estratos que quero que esses objectos tenham na própria vida. No fundo o que acho que banha isto tudo é o tempo.

Um tempo que aparece com uma nota política mais nítida.
Porque há preocupação premente. A poesia contemporânea, por mais que tenha este fundo místico, não pode deixar de se preocupar com a injustiça laboral ou a dificuldade do cidadão no ambiente que o rodeia. É nesse sentido que surge uma personagem como o Sr. Lopes, o homem burocrático, o indivíduo médio, o cidadão que tem um pequeno poder sobre o seu próximo e o utiliza de forma nefasta e, à pequena escala, provoca a infelicidade do indivíduo que trabalha com ele. A forma de lidar com esse Sr. Lopes, que está no nosso percurso e do qual não nos conseguimos libertar num tempo imediato, é através da ironia. Quanto mais procuramos os grandes temas da humanidade, mais chegamos à nossa circunstância para, se calhar, depois partir outra vez neste ciclo entre o grande e o detalhe e isto é um trabalho incessante.

Outro facto: abandona o soneto. Ele era uma necessidade?
Reconheço que os meus primeiros poemas ainda não tinham uma estrutura interna suficiente que pudessem dispensar uma estrutura externa, qualquer que ela fosse. Precisei daquela forma para organizar o meu pensamento, mas a partir do segundo livro, e praticamente todos os sonetos do terceiro, percebi que já havia uma coincidência entre a presença de um formato externo e um formato interno que é um tom de voz, ou seja, uma certa lógica que atravessa o poema. Quando percebi que essa voz própria já existia, desfiz-me da forma do soneto, porque o soneto passou a ser um empecilho. Estava lá meramente como molde; era um espartilho dentro do qual eu falava.

E a experiência seguinte é a prosa poética.
Sim, e depois há uma coisa muito importante. Em 2001 um episódio profissional condiciona a forma como começo a escrever. Em 2001 fui para Nova Iorque fazer um estágio de cirurgia reconstrutiva da mama. Desde o final de Agosto até ao início de Outubro. A meio sucedeu o ataque às Torres Gémeas. Estivemos dois ou três dias sem trabalhar, de apoio à unidade de queimados de um hospital, mas quando se percebeu que havia muita gente para ajudar e pouca gente a quem ajudar, porque infelizmente houve poucas vítimas recuperáveis, retomámos a actividade, mas aquilo teve implicações na vida das pessoas. Havia medo de andar de metro. Todas as deslocações entre o hospital e o meu apartamento e vice-versa eram pelas ruas, visitei todas as livrarias e, fora do meu horário de trabalho, fiz das livrarias a minha segunda casa. Dei-me um curso intensivo de poesia americana que incluiu Wallace Stevens, William Carlos Williams, Robert Lowell, Walt Whitman, Cummings; li tudo a que pude deitar a mão. E a escultura do meu poema altera-se significativamente quando regresso, para se adaptar a um tipo de escrita onde o sítio onde corto o verso tem muito mais que ver com a minha respiração do que com outro ritmo. O poema acaba por ser uma escultura de som e de música. O poema para ser poema tem de ter um resquício de musicalidade.

Há sempre muitas referências à poesia do Leste da Europa. Como é que ela se impôs?
O fenómeno da poesia do Leste é engraçado e tem que ver com a circunstância dos países de Leste. Viveram durante anos numa cortina de ferro e os poetas ou escreviam segundo o cânone do Partido Comunista e eram aceites e podiam publicar, ou tinham de ser extraordinariamente metafóricos para poderem, por exemplo, através da personificação de vozes e actos de animais, falar dos políticos. É um ardil vantajoso, porque cria estratos e sentidos ocultos e uma razão para a poesia do Leste ser muito rica em poesia, porque é muito rica em ironia, em humor e no que acho um dos elementos fundamentais do poema: a imagem. É rica em metáforas, em personificações, em metonímias. Tiveram de aprender a ser criativos. Quando a Cortina de Ferro caiu e foram reler a sua obra, muitos renegaram livros inteiros. Foi o caso da Wislawa Szymborska. Mas neles há o desafio de leitura, o desvelar os sentidos que torna essa poesia extraordinariamente rica. Não há nada melhor para um poema do que não se esgotar à quinta leitura.

Sobre a biografia do autor ou a persona poética, há um momento em que escreve que em Veneza seria um gato e, anos depois, fala da solidão dos homens cansados. Que homem é esse?

É um homem tomado pela passagem do tempo, cansado mais das circunstâncias da vida do que de si próprio, mas que tem os gatos como elemento condutor."

in: jornal "Publico", 6 de Abril de 2019, 9:26

Nota: Mediterrâneo recebeu em 2016 o Prémio Nacional de Poesia António Ramos Rosa.

segunda-feira, 17 de junho de 2019

Tidiane N'Diaye_O Genocídio Ocultado_Livro_Entrevista

terça-feira, 11 de junho de 2019

livres e radicais _rúben de carvalho

Rúben de Carvalho (1944-2019)

Neste mar onde ardem as horas
e os dias se tornam ausentes
há amigos antigos
dos quais não posso falar.
Só o silêncio no seu lugar.
Lembro-os num tempo nosso
a cercar o Futuro.
lmc

hoje morreu Rúben de Carvalho.


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"Olá Ruben. Como é a minha vida hoje?...



Pedro Tadeu
11 Junho 2019 — 14:47 h

Milhares de vezes, quando aquele número aparecia no mostrador do meu telemóvel, soava no auscultador a voz do Ruben de Carvalho: "Olá Pedro, estás bom?... Olha lá, como é a tua vida hoje?".

Por causa dos telefonemas do Ruben, desde que o conheci, em 1983, a minha vida profissional incluiu o jornal "Avante!", a Festa do "Avante!", a Telefonia de Lisboa, o Lisboa 94, e lembro-me lá agora de tantas outras coisas que fiz com ele, de tantas outras coisas que fiz para ele, de tantas outras coisas que fiz por causa dele. Ruben de Carvalho foi meu chefe.

Por causa dos telefonemas do Ruben, tive milhares de horas de conversa, milhares de jantares, milhares de discussões sobre política, história, sociologia, arte, música, relações humanas. Ruben de Carvalho foi meu mestre.

Por causa dos telefonemas do Ruben fui obrigado a estudar livros que ignorava, a ouvir discos que subestimava, a saber duvidar de certezas absolutas, a procurar questionar as minhas convicções para encontrar boas respostas sobre novos problemas, a recusar dogmas e lugares-comuns mas, ao mesmo tempo, a respeitar os milhares de anos de saber acumulado pela humanidade. Ruben de Carvalho ensinou-me a pensar.

Por causa dos telefonemas do Ruben conheci de perto dezenas de pessoas extraordinárias: a incrível companheira dele, a jurista Madalena Santos (que, aliás, nos apresentou); a Ivone Dias Lourenço; o grafista e desenhador José Araújo; o músico, musicólogo e realizador de TV e rádio, Manuel Jorge Veloso; os jornalistas João Chasqueira, Anabela Fino, Carlos Nabais, Domingos Mealha, Henrique Custódio e Leandro Martins; a Noémia; o apresentador Cândido Mota, o locutor Mário Dias...

Ruben de Carvalho foi ponto central e completou a circunferência do meu círculo de relações pessoais. Ruben de Carvalho foi meu amigo.

Contactei com importantes dirigentes comunistas que me impressionaram: António Dias Lourenço, Carlos Brito, Domingos Abrantes, Carlos Carvalhas e, claro, Álvaro Cunhal. Ruben de Carvalho foi meu camarada.

A biografia do Ruben é impressionante.

Foi militante comunista, logo durante a ditadura fascista, antes do 25 de abril; conspirou e lutou contra o regime.

Esteve nos movimentos unitários, da candidatura presidencial de Humberto Delgado às candidaturas eleitorais da CDE; esteve no apoio ao aparelho clandestino do PCP.

Foi preso político seis vezes.

Foi um jovem jornalista que chegou precocemente a subchefe de redação de um grande jornal diário, o "Século".

Fez a guerra colonial em Angola como enfermeiro, decidindo não dar "o salto" para o estrangeiro, mas encontrando uma forma de estar no exército português que não violentasse a sua solidariedade com os movimentos de libertação.

Fez a revista "Vida Mundial", que abriu uma janela de luz na informação opaca da época.

Foi chefe de gabinete de um ministro no primeiro governo da democracia.

Fez a primeira redação legal do "Avante!". Até construiu mobiliário, pois adorava o trabalho manual - não era acaso o brinquedo preferido em criança ter sido o das construções em Meccano.

Esteve no centro da criação da "Carvalhesa", o hino sem letra que tantos trauteiam nas campanhas eleitorais da CDU.

Fez, desde 1976 até hoje, a organização dos espetáculos da Festa do "Avante!".

Fez uma rádio local chamada Telefonia de Lisboa que o cavaquismo, assustado, fechou ilegalmente, como o tribunal administrativo veio a confirmar numa sentença tardia sobre um concurso para novas frequências de rádios.

Fez parte do comissariado do Lisboa 94, Capital Europeia da Cultura - e isso fez dele, contava com ironia, um dos comendadores da nação, com direito a medalha e tudo.

Fez trabalho parlamentar como deputado eleito por Setúbal.

Foi um vereador empenhado na câmara de Lisboa.

Escreveu, publicou e ajudou a editar várias obras de referência sobre o fado. Lutou muito contra a ideia de que o fado era uma música "salazarenta", como alguma esquerda, mais tonta, logo a seguir à Revolução dos Cravos, crismara o género popular.

Esteve sempre no centro do debate político; publicou milhares de artigos de jornal na "A Capital", "Diário de Notícias", "Público", "Expresso", "Sábado", "24horas", entre outros.

Foi comentador regular na SIC e na RTP.

Fez dois programas na Antena 1 que se tornaram referência na rádio portuguesa e demonstram publicamente a sua personalidade culta, pluralista e tolerante: com Iolanda Ferreira o "Crónicas da Idade Mídia"; com Rui Pego e Jaime Nogueira Pinto, o "Radicais Livres".

Fazer, construir, deixar obra feita num contexto de trabalho coletivo - este era o seu projeto pessoal.

É nesse sentido que deveríamos entender o seu maior legado: o da Festa do "Avante!".

A própria ideia inicial da organização da Festa, inspirada em festas similares de partidos comunistas, como o italiano e o francês, tinha como pressuposto o envolvimento coletivo de milhares de militantes comunistas na organização de um projeto político e cultural que demonstrasse, numa pequena cidade improvisada, o modelo de sociedade igualitária que o PCP defende. A Festa não é, portanto, obra de um indivíduo, é obra de um coletivo.

Com o engenheiro Fernando Vicente e o artista plástico Rogério Ribeiro, o Ruben moldou a forma técnica e estética inicial que milhares de camaradas seus desenvolveram, fizeram evoluir e construíram em vários terrenos e espaços, desde os pavilhões da antiga FIL, na rua da Junqueira, à atual Quinta da Atalaia, no Seixal.

A organização dos espetáculos, a sua tarefa central na Festa do "Avante!", suscitou-me há alguns anos estas palavras:

"Com ele aprendi ser sempre mais difícil decidir quem atua a meio da tarde do que escolher quem encerra a noite. Vi como era preciso ter coragem para dizer não a músicos ligados ao PCP, que caíam na tentação de querer transformar a festa de todos numa coutada exclusiva.

"Aprendi como se fabricam as grandes ideias e as dezenas de horas de discussão redonda, esgotantes, que é preciso ter para lá chegar. Vi como surgiram os filões das músicas brasileiras, folk ou africana, sempre um pouco à frente das modas em que elas depois se transformaram, e registei como aconteceu a que agora é marca definitiva do evento: o grande concerto de música clássica.

"Na Festa do Avante! ensinaram-me, como a muitos outros, o essencial do que me transformou num profissional bem-sucedido: é preciso entender o quadro geral de um problema e dar importância aos detalhes que fazem a diferença".

A Festa do "Avante!" é também relevante porque criou uma indústria: foi lá que se formou a primeira geração de técnicos e de produtores que tornaram os concertos e festivais de verão uma banalidade, que antes não existia em Portugal.

O Ruben foi sempre um intelectual ao serviço da classe operária. Era um génio que não acreditava nos golpes de génio, que acreditava cegamente no trabalho de equipa.

Há uma dezena de anos estivemos cerca de 20 minutos chateados.

Num fim de semana que passámos juntos, discutíamos as mudanças no mundo da comunicação que a internet trouxe. Às tantas fiz uma catilinária sobre a "burrice" da esquerda que deixava para a direita e para o PS o domínio ideológico dos "blogues" e das redes sociais. Ele, zangado (ui!, como era bravo...), espantava-se comigo: como é que eu, militante comunista, defendia a utilização de uma forma de comunicação que, pela sua natureza atomizada, promove o individualismo, o egocentrismo, a vaidade pessoal, o desprezo pelo outro? "Vamos mas é fazer bons sites coletivos, deixa lá isso dos blogues e dos Facebooks que isso é para quem tem a mania de ser vedeta..."

Ruben de Carvalho era um intelectual ao serviço da classe operária. Um revolucionário. Foi essa a missão que cumpriu na vida.

Olho para o telefone, depois de receber a notícia da morte do Ruben de Carvalho, o homem mais impressionante que conheci.

Não evito a comoção e pergunto-me: sem Ruben, como é a minha vida hoje?...

Um grande beijo, Madalena."

in: Jornal "Diario de Noticias"

segunda-feira, 10 de junho de 2019

Entardecer Moçambicano_ José Mathias Ferreira Júnior


Entardecer Moçambicano

No quintal vedado, por finos bambus
na lângoa colhidos;
Mulata galante se estira dengosa
ouvindo à distância, rolinha chorosa
soltar seus gemidos.

Uns passos adiante, em longas cadeiras
de lona, encostados;
Vivazes Mucunhas alargam uma roda
e os copos levantam, de whisky com soda,
aos lábios crestados.

Na areia inda quente do sol a morrer
p’ra lá dos coqueiros;
Airosas galinhas uns grãos depenicam
e alisam as penas, as patas esticam
mirando os poleiros.

Nas olas esguias das altas palmeiras
que a aragem meneia;
Seu canto suave, dolente magoado,
um lindo, plumoso, assaz delicado
chirico gorgeia.

Ao longe, na estrada que a chuva esbarronda
em meses de estio;
Um ai! de fadiga a custo sustido,
ao som do apito, o labor vencido,
desprende o gentio.

A tarde esmorece; e ri a mulata
na esteira deitada.
A vida não cansa, não pesa é melosa
Pra linda mulata, sabida, manhosa,
do branco amparada.

A tarde esmorece; o branco dedilha
gemente guitarra.
Em roda descantam amigos as trovas,
Mas todas amargas e não descuidosas
como as da cigarra.

Porquê? Porque cantam tristezas sem fim
sem conto, afinal?
É porque no peito só têm saudades
das vilas, dos campos, das mesmas cidades
do seu Portugal.

José Mathias Ferreira Júnior

[Antologias de Poesia da Casa dos Estudantes do Império - II Volume]
(in «Oriente»)

segunda-feira, 3 de junho de 2019

They Are Not Long - Ernest Dowson

They are not long, the weeping and the laughter,
Love and desire and hate;
I think they have no portion in us after
We pass the gate.

They are not long, the days of wine and roses,
Out of a misty dream
Our path emerges for a while, then closes
Within a dream.


Não duram muito
O choro e o riso
O amor, o desejo e o ódio
Creio que não fazem parte de nós
Depois de passarmos o portal
Não duram muito
Os dias de vinho e de rosas
De um sonho brumoso
O nosso caminho emerge por um bocado
E depois fecha-se
Dentro de um sonho.

[Em memória de Agustina Bessa-Luís, hoje falecida.
(15 de outubro de 1922 - 3 de junho de 2019)]


Notas: Poema lido e legendado em português, na série "Os Durrell", RTP 2, ep. 4, 02 Jun. 2019 | temporada 2.

Ernest Christopher Dowson (2 de agosto de 1867 – 23 de fevereiro de 1900) foi um poeta, romancista e contista inglês, frequentemente associado ao decadentismo. fonte Wikipédia