domingo, 3 de junho de 2018

Luis Portela_entrevista



"Tudo é explicável e demonstrável. Não acredito em milagres, mas não nego fenómenos invulgares por não terem ainda uma explicação"



Lucília Monteiro

Leia ou releia a entrevista a Luís Portela, Chairman da Bial e escritor



Clara Soares

Jornalista e Psicóloga
O edifício da Bial – a maior farmacêutica portuguesa –, situado na Trofa, distrito do Porto, encontra-se no meio de uma zona verde onde nem falta uma pequena nascente que separa a Trofa da Maia. Uma vez lá dentro, é impossível passar ao lado dos armários envidraçados com objetos, fotografias e embalagens de fármacos que resumem quase um século de história; ou ignorar os certificados emoldurados nas paredes do gabinete amplo do homem que queria ser investigador, exerceu medicina e se fez gestor. Com dois fármacos patenteados (o antiepilético Zebinix e o Ongentys para a doença 
de Parkinson), um património calculado em 650 milhões de euros e dois terços da faturação proveniente do mercado externo, Luís Portela foi o rosto 
da internacionalização da empresa 
e continua a receber homenagens. 
O Prémio Bial é um dos maiores a nível europeu e a fundação tem créditos firmados na promoção da investigação de excelência em psicofisiologia 
e parapsicologia, tendo apoiado 614 projetos, envolvendo 1 351 cientistas 
de 25 países.
Aos 66 anos, o neto de Álvaro, 
o fundador da empresa, orgulha-se do caminho trilhado. Sete anos depois de passar a pasta ao filho António, continua a dedicar-se a outra das suas grandes paixões: a escrita. Após o 12º simpósio bienal Aquém e Além do Cérebro, em abril, dedicado ao tema Potenciar a Mente, o homem que devolveu a espiritualidade à ciência e que, em 2010, foi eleito membro honorário da Parapsychological Association, da American Association for the Advancement of Science, tem um novo livro. Da Ciência ao Amor(Gradiva, 160 págs., €11) é dirigido a “leitores que não se contentam com o materialismo das sociedades desenvolvidas e querem ir mais longe no conhecimento de si”.
O subtítulo “Pelo esclarecimento espiritual” sugere uma obra mais ambiciosa do que as anteriores. 
O que precisa de ser esclarecido?
Fez-se um caminho fantástico na área científica e tecnológica, ao nível do corpo físico e do sistema nervoso central, mas a espiritualidade ficou para trás. Desejo que a ciência aprofunde e desenvolva essa área e permita que cada um se conheça melhor, enquanto partículas de energia universal, e se responsabilize pelos atos próprios 
e em relação aos outros, sejam ou não humanos.
Quanto tempo levou a escrever este livro com tantas pesquisas na área do paranormal?
Dois anos e meio. Depois de Ser Espiritual (2013), que vai na 23ª edição, fui convidado a fazer palestras públicas pelo País e senti que a minha mensagem tinha sido acolhida. Não sendo religioso, respeito as religiões e tive bispos católicos nas minhas apresentações. Embora apresentassem motivos de discrepância, aceitaram 
e aplaudiram, e eu quis dar continuidade ao trabalho com 
a exploração científica feita em meios universitários nas últimas décadas.
A parapsicologia ainda é um território tabu na comunidade científica?
A ciência oficial investiu muito pouco nesta área e tem a obrigação de arregaçar as mangas e de estudar fenómenos sem parti pris, sem o direito de dizer “isso não existe”, “não presta”. Felizmente existem médicos, psicólogos, físicos, matemáticos e filósofos, em equipas multidisciplinares, a investigar com rigor. O verdadeiro conhecimento conquista-se e partilha-se. Pode ser utópico, mas acredito que é uma questão de tempo até nos vermos como parte de um todo universal, num clima de respeito e de amor incondicional. 
O desafio do livro é também esse.
É possível provar com rigor científico que “isto anda tudo ligado”? A mediunidade, a telepatia…
Tudo é explicável e demonstrável. Não acredito em milagres, mas não nego fenómenos invulgares que existem desde a Antiguidade por não terem ainda uma explicação, dada a sua imprevisibilidade e dificuldade de replicar em laboratório. Essa dificuldade deve constituir um acicate para a ciência, até porque muitos destes fenómenos, como a mediunidade, têm relevância estatística. O psiquiatra norte-americano Ian Stevenson, que tive a honra de conhecer pessoalmente, constituiu na Universidade da Virgínia um grupo de trabalho só para estudar as vidas passadas de crianças, mais fidedignas do que os adultos. Foram três mil casos um pouco por todo 
o mundo, dois deles em Lisboa: ouviram e gravaram os relatos, despistaram conexões com vizinhos, amigos 
e familiares, e tentaram demonstrar se a história tem veracidade no local em que aconteceu. Conclusão: em 68% dos três mil casos ficou demonstrado que os mesmos tinham sido reais – aquela pessoa existiu naquelas circunstâncias.
E porque não se lhes dá crédito 
na comunidade científica?
Se foram feitos com o rigor do método científico, não vejo por que motivo estes estudos da consciência não são reconhecidos. Ao longo da História, houve quem fosse morto, queimado 
ou degolado em nome da verdade. 
Há avanços, mas faz falta esclarecer 
as pessoas e deixar de parte as balelas 
e a exploração ignóbil da Humanidade. A academia começa a abrir-se 
ao estudo da telepatia ou transmissão de pensamento, à hipnose, que já 
é utilizada correntemente em alguns hospitais e universidades, e, até, 
ao próprio reiki ou transferência 
de energia a que recorrem hospitais portugueses – públicos e privados – e outros um pouco por toda a Europa.
O que são estudos triplamente cegos, usados na investigação 
da mediunidade?
É um procedimento em que o médium não conhece o ser com quem tenta entrar em contacto nem a pessoa que lhe coloca questões. Quem faz 
as perguntas também não conhece 
o médium nem o falecido, e este não terá conhecido os outros dois. Assim se garante que não há influência do pensamento nem que o médium pode captar telepaticamente essas respostas.
Allan Kardec [francês que codificou o espiritismo] ficaria satisfeito 
com tais estudos?
Admito que sim, na medida em que foi pioneiro a sistematizar informação que ninguém conhecia sobre fenómenos paranormais [no século XIX]. Ele ou os grandes mestres, de Jesus a Einstein, também teriam satisfação nisso. Eles contribuíram para o desenvolvimento espiritual da Humanidade pela postura exemplar, íntegra, com ideias orientadoras e uma linguagem comum.
Porém, é legítimo ter desconfiança, dada a manipulação mental cultivada por seitas.
No plano religioso e místico acontece muito. Tenho pena que quem se diz seguidor de mestres espirituais não alcance a simplicidade deles: honram-
-nos em altares de ouro, mas não fazem o caminho. Parece-me que é difícil ter sol na eira e chuva no nabal ao mesmo tempo.
Quando criou a fundação, foi 
a pensar em apoiar o estudo científico destas áreas?
Após criar o Prémio Bial, em 1994, pensámos numa fundação independente e convidámos o Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas para assegurar a parte científica e técnica. Foi o professor Nuno Grande quem definiu a psicofisiologia e a parapsicologia como as duas áreas a apoiar: a primeira, por eu a ter lecionado na universidade; a outra, acrescentou ele, “porque toda a gente sabe que gosta e me parece justo”. Fiquei encantado.
As meditações de grupo e a oração 
à distância produzem impacto 
no mundo físico?
A influência do pensamento ou do efeito terapêutico à distância ainda não foi demonstrada. O que se comprovou já é que certas ocorrências que abalam a Humanidade tendem a gerar um pensamento comum. Quando morreu a princesa Diana, estavam a fazer-se experiências de registo das emoções humanas e verificaram-se alterações nas sequências registadas por geradores de eventos automáticos.
Não teme perder-se nos mistérios da espiritualidade?
Em adolescente fiz a leitura comparada das Bíblias católica e protestante, também lia sobre ioga, espiritismo ou o movimento Rosa-Cruz. Habituei
-me a respeitar as correntes filosóficas e espirituais, mas não sou religioso. Retiro diariamente um tempo para meditar e refletir e, duas vezes por ano, faço um exame de consciência sozinho, na natureza. Estamos no mundo-
escola, que é o planeta Terra, para aprender e evoluir.
Está a falar do conceito 
da reencarnação?
Prefiro falar da teoria das vidas sucessivas que acontece a todos nós.
A partilha destes temas é feita ainda em segredo. Como é consigo?
Sei bem. Ouvi de autarcas, políticos, gestores, governantes e até de um Presidente da República, não o atual, 
“já me aconteceu isto mas não diga 
a ninguém”. Não assumem em público, mas desejam que eu estude o assunto. À porta fechada, naturalmente.
Como se pode usar esse conhecimento cá fora, socialmente?
Acho muito bonito quando se é capaz de tirar alguns minutos do dia para se encontrar consigo mesmo. Custa, leva tempo, mas traz uma libertação extasiante. É um caminho de aperfeiçoamento, de purificação, que dá satisfação. O verdadeiro espiritualista está sereno e disponível para ajudar outros de forma responsável. Corrigir o seu próprio mundo é dar um contributo muito importante para a evolução da Humanidade e, dessa forma, ser um exemplo para quem está à sua volta.
Como em O Livro do Caminho Perfeito, de Lao Tsé. O que é para si 
o caminho perfeito?
A busca incessante da perfeição, da felicidade possível. A Madre Teresa, pequena, frágil, sem ser bonita nem muito culta, conseguiu levar muita gente atrás dela a fazer coisas bonitas.
Nunca se sentiu tentado a investigar também no terreno?
Cada macaco no seu galho. A medicina e a investigação eram a vida que eu tinha imaginado para mim. No dia em que renunciei a isso, com sofrimento interior, não o partilhei com ninguém. Se a vida me estava a encaminhar para fazer gestão da empresa familiar, eu não ia ser muito exigente. Podemos ser muito exigentes connosco mas não com a vida. Pensei que se me sobrasse um dinheirito, podia financiar investigadores, que fizessem o que eu gostava de fazer, e continuar o caminho.
Vive bem com as suas circunstâncias e escolhas?
Larguei a carreira de médico e de investigador para continuar a obra do meu avô e do meu pai. Achava que se eu não pegasse na empresa, em 1979, ela ia ao charco. Fui aprendiz de gestor e saí-me bem.
O que guarda do seu avô?
Ele era um autodidata, trabalhava de sol a sol, com uma visão e uma capacidade de realizar fantásticas. Também era um bocadinho estouvado, ganhava mas depois gastava. Eu identificava-me com ele, mas fui buscar ao meu pai o lado sóbrio, sereno, robusto.
O que quer dizer com a abundância material ter por base a espiritual, e não o contrário? Ou que o semelhante atrai o semelhante?
Há pessoas que optam por vir à Terra numa situação de pobreza, outras em situação intermédia e outras ainda 
de riqueza. Cada uma permite um tipo de aprendizagem. Gerar riqueza, por exemplo, é uma capacidade que obriga a um rigor grande na gestão 
dos recursos. Quanto à semelhança, hoje admite-se que, ao contrário 
da eletricidade e do magnetismo – em que os polos do mesmo sinal se repelem e os de sinal contrário se atraem –, na espiritualidade o positivo atrai o positivo e repele o negativo.
Como se aplica este princípio 
à saúde e à vida de um modo geral?
Cada um de nós é responsável pelos seus pensamentos. Quem controla o pensamento e a palavra também pode controlar o ato. Se optar por ter pensamentos úteis, a si e em relação aos outros, pode atrair para si 
a positividade. Perceber-se enquanto partícula universal capaz de interligar-
-se com outras, numa atitude de amor, e de dar-se, totalmente, sem qualquer condição nem pedir nada em troca.
Como lida com questões fraturantes como as barrigas de aluguer 
ou a eutanásia?
Se o meu ponto de vista estiver em minoria, defendo-o de forma sensata, serena e elegante, se possível. A paz constrói-se de dentro para fora. Praguejar vale zero. O que vale é cada um de nós pacificar-se, sentir-se bem, gostar de si e constituir-se como uma partícula de paz, de amor.


1 comentário:

  1. Embrenhei-me nesta entrevista. Virei relê-la quando visitar o edifício da Bial.

    Grata pela publicação.

    Beijinho.

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