terça-feira, 28 de novembro de 2017

duas canções


*duas canções*

não falar de política 
de futebol, religião, ou
de sociedades secretas
não ter vontade crítica
nunca achar ter razão
em discussões abertas

não dar opinião
não criticar
ouvir e calar
sobre qualquer questão

"estar de bem com outros
e de mal contigo".

LuísM-28.11.2017

.......

"xé, minino, não fala política", by  Valdemar Bastos


l.-

Letra:

velha chica
(by Djavan & Dulce Pontes)


Antigamente que a velha Chica

Vendia cola e gengibre

Antigamente que a velha Chica

Vendia cola e gengibre

E lá pela tarde, ela lavava

A roupa de um patrão importante

E lá pela tarde, ela lavava

A roupa de um patrão importante

E nós os miúdos lá da escola

Perguntávamos a vovó Chica

Qual era a razão daquela pobreza

Daquele nosso sofrimento

Qual era a razão daquela pobreza

Daquele nosso sofrimento


Xê menino, xê menino não fala política

Não fala política, não fala política

Xê menino não fala política

Não fala política, não fala política


Mas a velha Chica

Embrulhada nos pensamentos

Ela sabia, mas não dizia

A razão daquele sofrimento

A razão daquele sofrimento


Xê menino, xê menino não fala política

Não fala política, não fala política

Xê menino não fala política

Não fala política, não fala política


E o tempo passou

E a velha chica

Só mais velha ficou

Ela somente fez uma cubata...

Com tecto de zinco

Com tecto de zinco...


Xê menino, xê menino não fala política

Não fala política, não fala política

Xê menino não fala política

Não fala política, não fala política


Mas quem vê agora o rosto

Daquela senhora, daquela senhora

Só vê as rugas do sofrimento

Do sofrimento, do sofrimento

E ela agora só diz...


Xê, menino quando eu morrer

Quero ver Angola em paz

Quero ver Angola em paz...

Xê, menino quando eu morrer

Quero ver Angola e o mundo em paz.

.....


2.-

"que força é essa, amigo, que te põe de bem com outros e de mal contigo", by Sérgio Godinho




letra:

Que força é essa (amigo)
by: Sérgio Godinho


Vi-te a trabalhar o dia inteiro

construir as cidades pr´ós outros

carregar pedras, desperdiçar

muita força p´ra pouco dinheiro

Vi-te a trabalhar o dia inteiro

Muita força p´ra pouco dinheiro


Que força é essa

que força é essa

que trazes nos braços

que só te serve para obedecer


que só te manda obedecer

Que força é essa, amigo

que força é essa, amigo

que te põe de bem com outros

e de mal contigo

Que força é essa, amigo

Que força é essa, amigo

Que força é essa, amigo





Não me digas que não me compr´endes

quando os dias se tornam azedos

não me digas que nunca sentiste

uma força a crescer-te nos dedos

e uma raiva a nascer-te nos dentes

Não me digas que não me compr´endes


(Que força...)


(Vi-te a trabalhar...)


Que força é essa

que força é essa

que trazes nos braços

que só te serve para obedecer

que só te manda obedecer

Que força é essa, amigo

que força é essa, amigo

que te põe de bem com outros

e de mal contigo

Que força é essa, amigo

Que força é essa, amigo

Que força é essa, amigo

Que força é essa, amigo.

quarta-feira, 15 de novembro de 2017

fernando assis pacheco_preso político


1 Fev 1937 // 30 Nov 1995
Jornalista/Crítico/Tradutor/Escritor


Preso Político

Quiseram pôr-me inteiro numa ficha.
O dia e a noite são iguais por dentro.
Não há papel que conte a minha vida
mais que estes versos de punhal à cinta.
A barba cresce, e cresce a voz armada
descendo pelos muros tão tranquila;
tão tranquila que já nem desespera
de ser apenas voz, não uma guerra. 
Quiseram pôr-me inteiro numa ficha.
Não há papel que conte a minha vida.
Mais que estes versos, esta mão estendida
por sobre os muros só de medo e pedra. 
Quando saíres, amigo, não me esqueças.
Fico à espera da tua novidade.
Olha bem que farás da liberdade:
quando saíres, amigo, não me esqueças. 
Quero mais fazimento que promessas.
São de prata os enganos da cidade
com que outros sujeitam a vontade.
Não me esqueças, amigo, não me esqueças. 
1966 

Fernando Assis Pacheco, in 'Lote de Salvados' 

Álvaro Cunhal_ carta à irmã

Em 13 de Junho de 2006, Júlia Coutinho, no seu blogue As causas da Júlia, publicou a seguinte carta de Álvaro Cunhal para Maria Eugénia e que, com a devida vénia, aqui se transcreve:

«Moscovo, 1 de Março de 1966
Minha muito querida irmã:
Terríveis notícias me chegaram nos últimos tempos: o suicídio do Fernando [Fernando Manuel da Rocha Medina (15/03/1924 - 09/09/1965), médico psiquiatra], a Morte do Pai. Que te posso dizer das lágrimas que chorei e choro, e de todas as razões delas, e das mil inquietações para que não tenho resposta? Por via indirecta, recebi as duas notícias. Secas, sem qualquer referência a mais. Nada mais sei, a não ser o que suponho.
A grande distância, o não ter visto mais o Pai, o não ter podido dizer-lhe um último adeus e uma última palavra, são dores irreparáveis. Sofreste mais de perto, querida irmã, mas não isto. E o que ele terá sofrido. Esforçado e paciente decerto, mas decerto também inconformado e profundamente triste. Perdemos a pessoa que mais nos amava, que melhor nos compreendia e a quem devemos elevadas lições de honestidade e isenção pessoal. Por isso não perdemos tudo. Apenas lamento, se ele o não sabia.
Chorando os mortos, penso nos vivos, querida, muito querida irmã. Penso em ti, na mãe cega, nos teus filhos, na vossa situação. Que posso eu fazer por vós? Eu sei (e é necessário que tu saibas também) que algo posso fazer. Continuo a ser o teu irmão infinitamento amigo, o teu irmão de sempre. Conta comigo, querida irmã. 
À nossa pobre mãe, diz que vos escrevi algumas linhas, que sofro por não vos ter dado o muito que gostaria de dar-vos e que por isso me perdõem, se é coisa de perdoar. Diz-lhe mais, atribuindo-me a mim, todas aquelas palavras que entendas que a podem auxiliar. Do coração to agradeço, a ti a quem coube o leme de tão amargas situações.
Neste momento, quero dizer-te alguma coisa mais: olha para o futuro! Não descreias da vida e da alegria! Tem forças para recomeçar, se de recomeçar se trata!
Peço-te, querida irmã, que procures escrever-me algumas palavras, se não do que se passou (por te ser demasiado penoso) ao menos do que se passa. Eu não sei se esta carta te chegará às mãos, dada a pessoa que a escreve, dado o país de onde vai e dado que nem certo estou dos endereços para onde a envio (que em tempos me disseram ser o teu e o do Pai). Tenho porém uma certa esperança em que a venhas a receber. E, se a receberes, tenta escrever-me. A direcção é simples: 
URSS - Moscovo 132
Hotel
Álvaro Cunhal
É o bastante e, tratando-se como se trata, de questões familiares e questões desta natureza, pode ser que a tua carta me chegue.
Querida, muito querida irmã: um grande, grande abraço, aquele que gostaria de poder dar-te neste momento de profunda tristeza.
Repito ainda: não desanimes, olha em frente, olha para a vida e confia.
Com a imensa ternura do teu irmão
Álvaro»

[Jornal de Letras, Junho de 2004 || Fotografia de João Ribeiro]
......


MARIA EUGÉNIA CUNHAL *
[17/01/1927 - 10/12/2015]

Filha de Mercedes Simões Ferreira Barreirinhas 05/05/1888 - 12/09/1971] e de Avelino Henriques da Costa Cunhal [28/10/1877 - 19/12/1966], advogado nascido em Seia, e irmã de Álvaro Cunhal, Maria Eugénia Cunhal nasceu em Lisboa em 17 de Janeiro de 1927.
Presa em 2 de Fevereiro de 1945, quando tinha apenas 18 anos, como forma de pressionar a família e o irmão, então muito procurado pela PIDE, seria libertada durante a noite em resultado da atitude da mãe, que se recusou a abandonar a sede da polícia política sem levar a filha. Tal procedimento por parte da PIDE, que também deteve o pai, mas por vários meses, esteve na origem de uma carta denúncia de Álvaro Cunhal ao Ministro da Justiça. 
14 anos mais nova do que o irmão, acompanhou-o sempre na atividade cívica e política e, para além da militância comunista, Maria Eugénia Cunhal aderiu muito nova ao Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas, tendo participado em várias reuniões sob a direção de Maria Lamas, e fez parte da Associação Feminina Portuguesa para a Paz. 
Mãe de Pedro [08/09/1950 - 1999], Miguel [1951-2006: publicou, em 1999 e 2001,  Esboços - Antifascistas relatam as suas experiências nas prisões do fascismo], Duarte e Joana, os dois primeiros prematuramente desaparecidos.

sábado, 4 de novembro de 2017

Maria João Cantinho_ No olho da baleia.


Maria João Cantinho

Savana

Se eu te pedisse a demora, pai,

De um corpo adiado, ainda,

e te contasse de novo as viagens

que fazíamos no tempo antigo

e as minhas palavras pudessem

aquecer o teu olhar, trazê-lo de novo

ao meu chão, às minhas mãos,

como as histórias que me contavas

e depois ríamos inteiros.

Se eu te pedisse a demora, pai

para recomeçar a vida, para recompor

a ruína, juntar todos os ossos

para te devolver a luz da savana

e a respiração das árvores, o inexaurível canto

da terra, do rio que havia

e do olhar bravio das gazelas

no fulvo dorso da madrugada.

Se eu te pedisse a demora, pai

para recomeçar tudo de novo,

infância e areia correndo por nós,

só a música e o segredo da savana

o fogo da tribo, a dança

e sempre o tempo

o da fala antiga

o que se anela com deuses

e com o pó.



.......