segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

Pedro Moutinho - EPK "O FADO EM NÓS


Ricardo Ribeiro - Fadinho Alentejano

Letra:

Linda cara que tu tens já sei
Quando chegas noite fora
À espera à porta de casa
Está o teu pai que te adora
Lindos olhos tem o mocho... piu
Quando a noite vem chegando
Para deixar passar a noite
P’ra deixar passar a noite
Uma moda eu vou cantando
Muda a água às azeitonas
Rega bem os teus tomates
Tem lá cuidado com a horta
O cravo já está no vaso
Sim senhora, por acaso
Abalaste p’ra Lisboa pois
Deixaste-me ao pé da porta
Tu seguiste o teu caminho
Tu seguiste o teu caminho
A minha alma ficou torta
Quando cheguei ao Barreiro já fui
Lisboa estava fechada
Voltei p’ra casa a cantar
Voltei p’ra casa a cantar
Uma vida abençoada.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

Tiago Bettencourt - Se Me Deixasses Ser



Letra:

Se me deixasses ser O sítio onde podes voltar Depois do dia entardecer Quando a noite te agarrar Corpo forte de ficar Casa de permanecer Casa para regressar Se me deixasses ser Seja onde for Se o filme fosse meu Em luta contra o mal Tudo o que te faz doer Morria no final Quando o escuro não passar E te cega como uma prisão Vou-te resgatar Lavar o coração Se me deixasses ser Se fosse eu a mandar Fazia-te ver Frente ao precipício Juntos pela mão Se hoje queres saltar Eu quero ser razão Se hoje queres saltar Eu quero ser razão Se me fizesses crer O sítio onde posso voltar Para um dia entardecer Quando a noite descansar Na casa de permanecer A pedra que fazemos chão Para me rever Lavar o coração Se me fizesses crer Se fosse eu a mandar Fazia-te ver Frente ao precipício Juntos pela mão Se hoje queres saltar Eu quero ser razão Se hoje queres saltar Eu quero ser razão Se hoje queres saltar Eu quero ser razão Se hoje queres saltar Eu quero ser razão.

sábado, 21 de janeiro de 2017

Eugénio de Andrade_ Ao Miguel


AO MIGUEL, NO SEU 4º ANIVERSÁRIO
Eugênio de Andrade

Vais crescendo, meu filho, com a difícil
luz do mundo. Não foi um paraíso,
que não é medida humana, o que para ti
sonhei. Só quis que a terra fosse limpa,
nela pudesses respirar desperto
e aprender que todo homem, todo,
tem direito a sê-lo inteiramente
até ao fim. Terra de sol maduro,
redonda terra de cavalos e maçãs,
terra generosa, agora atormentada
no próprio coração; terra onde teu pai
e tua mãe amaram para que fosses
o pulsar da vida, tornada inferno
vivo onde nos vão encurralando
o medo, a ambição, a estupidez,
se não for demência apenas a razão;
terra inocente, terra atraiçoada,
em que nem sequer é já possível
pousar num rio os olhos de alegria,
e partilhar o pão, ou a palavra;
terra onde o ódio a tanta e tão vil
besta fardada é tudo o que nos resta;
abutres e chacais que do saber fizeram
comércio tão contrário à natureza
que só crimes e crimes e crimes pariam.
Que faremos nós, filho, para que a vida
seja mais que a cegueira e cobardia?

Carlos Drummond de Andrade_José

by net




JOSÉ 

E agora, José? 
A festa acabou, 
a luz apagou, 
o povo sumiu, 
a noite esfriou, 
e agora, José? 
e agora, você? 
você que é sem nome, 
que zomba dos outros, 
você que faz versos, 
que ama, protesta? 
e agora, José?

Está sem mulher, 
está sem discurso, 
está sem carinho, 
já não pode beber, 
já não pode fumar, 
cuspir já não pode, 
a noite esfriou, 
o dia não veio, 
o bonde não veio, 
o riso não veio 
não veio a utopia 
e tudo acabou 
e tudo fugiu 
e tudo mofou, 
e agora, José?

E agora, José? 
Sua doce palavra, 
seu instante de febre, 
sua gula e jejum, 
sua biblioteca, 
sua lavra de ouro, 
seu terno de vidro, 
sua incoerência, 
seu ódio - e agora?

Com a chave na mão 
quer abrir a porta, 
não existe porta; 
quer morrer no mar, 
mas o mar secou; 
quer ir para Minas, 
Minas não há mais. 
José, e agora?

Se você gritasse, 
se você gemesse, 
se você tocasse 
a valsa vienense, 
se você dormisse, 
se você cansasse, 
se você morresse... 
Mas você não morre, 
você é duro, José!

Sozinho no escuro 
qual bicho-do-mato, 
sem teogonia, 
sem parede nua 
para se encostar, 
sem cavalo preto 
que fuja a galope, 
você marcha, José! 
José, para onde? 


...//...

Gustavo Dourado

E agora, Maria?
Acabou a festa,
A bolsa caiu,
Apagaram-se as luzes...
Esquentou a Poesia...
Depois esfriou
O povo sofreu
De bolso vazio...
E agora, Maria?
Onde anda você?

És inominável?
Musa que zomba,
Que vê a novela,
Que dança e samba...
Que des.faz o ver.só,
Protesta, declama
Ama e reclama...
Clama por amor...
Você onde anda?
Maria, e agora?

Está sem carro
Perdeu o concurso
Não veio o consórcio
O sócio sumiu,
O táxi atrasou
Perdeu o juízo
Dói o dente siso
E tudo parou...
Já não pode andar
Não há mais sorriso,
O bicho pegou...
Nada aconteceu
A vida passou,
O tempo correu,
O sonho desveio
Virou pesadelo...
E agora?
Quer parar de fumar,
Sorver a cerveja,
Água de beber
Ver a natureza...
Quer sobreviver
Ao caos e a dor... 
Veio a tempestade,
E tudo morreu 
E tudo acabou...
E agora, Maria?
Maria, e agora?
A palavra indócil,
Desejo febril,
O eco do fuzil,
A bala perdida,
O jogo de azar,
O azar no jogo,
O cheque sem fundo,
O jugo, o logro,
O juro, o lucro
O desfalque no erário
O lote invadido,
O empréstimo bancário,
O imposto de renda,
A contravenção,
O vil peculato,
A corrupção,
Seqüestro - relâmpago
O medo, o pavor...
O descontentamento,
A desilusão 
A promessa vã 
E agora, Maria...?
O cartão de(s)crédito,
Nota promissória, 
Medida provisória, 
O livro de ouro,
O bingo, a sorte...
A morte do amor...
E agora, Maria?
A fome que assola
Criança sem escola, 
O homem sem-terra,
Sem-teto, na esmola...
E agora?
Juro sobre juro,
Ágio, extorsão, 
Água poluída,
A conta vencida...
O computadoido,
Internet, ilusão... 

Seu sonho - e agora?
Virou devaneio
O mar que não veio 
E agora, Maria?
Quer abrir a porta,
Não há chave, 
A chave sumiu...
Quer ir par a Marte?
Só há deusa morte... 
Quer rever o mar,
O mar soçobrou...
Maria, e agora?

Pare...Pense...
Reflita - Dance,
Grite, gema,
Durma, Sonhe,
Acorda Maria...
Resista....
Você não desiste...
Maria, você é forte... 
E agora, Maria?

Num canto do muro,
Sozinha, no escuro,
Sem cosmogonia...
Feito bicho-grilo,
Fugindo a galope...
És bicho - do - mato,
Na grande cidade,
Na alma , a saudade...
Para onde ir?
Maria , e agora?
E agora , Maria ?
O que queres de mim?

terça-feira, 17 de janeiro de 2017

Carminho - "Carminho canta Tom Jobim" (Making Of) & Albano Martins_Uma Cidade_poema


Albano Martins
Uma Cidade

Uma cidade pode ser 
apenas um rio, uma torre, uma rua 
com varandas de sal e gerânios 
de espuma. Pode 
ser um cacho 
de uvas numa garrafa, uma bandeira 
azul e branca, um cavalo 
de crinas de algodão, esporas 
de água e flancos 
de granito. 
                      Uma cidade 
pode ser o nome 
dum país, dum cais, um porto, um barco 
de andorinhas e gaivotas 
ancoradas 
na areia. E pode 
ser 
um arco-íris à janela, um manjerico 
de sol, um beijo 
de magnólias 
ao crepúsculo, um balão 
aceso 

numa noite 
de junho. 

Uma cidade pode ser 
um coração, 
um punho. 

Albano Martins, in "Castália e Outros Poemas" 


quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

Davide Mestre_ dois poemas

Sinal de Seda

Dois negros
timores
secretos
rubis

teus olhos
pedem
ao Ganges
por ti

O tigre
contempla
no lago
de prata

o sinal
de seda
em que

sorris.

Davide Mestre (1948-1997)

O Sol nasce a oriente

(de um quadro de Malangatana)

Povo, de ti canto o movimento
teu nome, canção feita de fronteiras
lua nova, javite ou lança
tua hora, quissange em trança

Do longo longe do tempo
arde minha flecha, meu lamento
minha bandeira de outro vento
aurora urdida nos lábios de Zumbi
De ti guardo o gesto
as conversas leves das árvores
a fala sabia das aves
o dialeto novo do silêncio
e as pedras, as palavras do medo
os olhos falantes da mata
quando a onça posta a sua arte
nos fita, guardada em sua mágoa.
De ti amo a denuncia felina
das tuas mãos quebradas ao presente
a dança prometida do sol
nascer um dia a Oriente.

in No reino de Caliban II,
antologia panorâmica de poesia africana de expressão portuguesa.

Davide Mestre

Davide Mestre_(1948-1997)


Biografia de Davide Mestre

Luís Filipe Guimarães da Mota Veiga conhecido por Davide Mestre Nasceu em Loures, Portugal em 1948 e foi para Angola com apenas oito meses de idade.
Trabalhou como jornalista e crítico literário em variados jornais e revistas de Angola, de Portugal e de outros países, coordenou diversas páginas literárias.
Em 1971 fundou e dirigiu o grupo «Poesias – Hoje», foi director do «Jornal de Angola». era membro da Associação Internacional de Críticos Literários e da União dos Escritores de Angola.
Em 1997 Davide Mestre faleceu em Almada, Portugal vítima de um acidente vascular cerebral com apenas 49 anos.
A sua obra está traduzida em várias línguas.
Obra poética:
Kir-Nan, 1967, Luanda, edição do autor.
Crónica do Gheto, 1973, Lobito, Cadernos Capricórnio;
Dizer País, 1975, Nova Lisboa, Publicações Luanda;
Do Canto à Idade, 1977, Coimbra, Centelha;
Nas Barbas do bando, 1985, Lisboa, Ulmeiro;
O Relógio de Cafucolo, 1987, Luanda, União dos Escritores Angolanos;
Obra Cega, 1991, Luanda, edição do autor
Subscrito a Giz - 60 Poemas Escolhidos, 1996, Lisboa, Imprensa Nacional - Casa da Moeda

in: http://www.lusofoniapoetica.com/


terça-feira, 10 de janeiro de 2017

Pedro Jóia_Verdes Anos_Sueste















biografia:

“Nasceu em 1970. Iniciou, aos sete anos, estudos de Guitarra Clássica na Academia dos Amadores de Música, com o Professor Paulo Valente Pereira.

No ano de 1985 transferiu-se para o Conservatório Nacional, onde estudou com o Professor Manuel Morais e concluiu o curso de Guitarra Clássica em 1990.

A partir de 1986 iniciou-se no estudo de Guitarra Flamenga, primeiro como autodidacta e depois através de cursos e de “masterclasses” em Espanha (Jerez de la Frontera e Cordoba) com os guitarristas Paco Peña e Manolo Sanlúcar. A relação de aluno com o segundo manteve-se até 1998.

GUADIANO (1996) e SUESTE (1999) foram os discos que colocaram o guitarrista e compositor Pedro Jóia no panorama da música feita em Portugal. Embora no início com uma forte influência e gosto pela guitarra flamenca, as suas origens portuguesas acabaram por falar mais alto. Assim, VARIAÇÕES SOBRE PAREDES (2001) marcou uma outra fase na sua carreira, homenageando um dos grandes mestres da Guitarra de Coimbra.

Depois de JACARANDÁ (2003), disco onde reuniu uma série de músicos brasileiros, como Elba Ramalho, Simone, Zeca Baleiro, Zélia Duncan, entre outros, viaja para o Brasil, onde colabora intensamente com Ney Matogrosso, entre 2003 e 2006.

Regressa a Portugal em 2007 para gravar o seu quinto disco, À ESPERA DE ARMANDINHO, uma interpretação de transcrições para guitarra clássica de obras originalmente compostas para guitarra portuguesa por Armandinho, outro dos seus mais importantes instrumentistas, neste caso da Guitarra de Lisboa.

O actual espectáculo “Mourarias”, em duo com o percussionista Vicky, pretende reunir temas da sua autoria, numa reflexão sobre as suas origens como músico e compositor, referenciados nos seus dois primeiros discos, GUADIANO e SUESTE, e agora também sobre os dois mais importantes compositores e instrumentistas das guitarras de Coimbra e de Lisboa.”

Biografia gentilmente cedida por: HM Música

Última actualização: Setembro de 2008

In: Museu do Fado

quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

Roberto Carlos _ Só Você Não Sabe



letra:

O meu sofrimento não tem fim
Só você não vê que eu vivo assim
Não se importa com meu sentimento
Minha tristeza, o meu lamento
Mesmo que eu não fale do que sinto
Todo mundo sabe
Só você não sabe, só você não sabe

Tenho andado triste (mas você não sabe)
Tenho andado só (só que você não sabe)
E chorado tanto (mas você não sabe)
Vivo pelos cantos (mas você não sabe)
Ai! Amor, tanta falta você me faz
Que no peito não cabe 
(Mas você não sabe)
Só você não sabe

Os amigos dizem que eu mudei
Me perguntam onde é que eu deixei
Meu sorriso e toda alegria 
Que eu tive um dia, que eu tive um dia
Mas essa saudade em minha vida
Os amigos sabem 
(Todo mundo sabe)
Só você não sabe

Ando abandonado (mas você não sabe)
Sofrendo calado (mas você não sabe)
Vivo desse jeito (mas você não sabe)
Sem dormir direito (só você não sabe)
Ai! Amor, é demais tanta solidão
O meu peito é que sabe
(Todo mundo sabe)
Só você não sabe

Quando chego em casa (só você não sabe)
Fico só no quarto (mas você não sabe)
Falo com as paredes (e você não sabe)
E com seu retrato (mas você não sabe)
Ai! Amor, desse jeito eu não sou feliz
'Tô sofrendo tanto
(Mas você não sabe)
Só você não sabe

Uma coisa é certa (e você bem sabe)
Mesmo não dizendo (mas eu sei que sabe)
Que eu te amo tanto (sei que você sabe)
Sei que sabe quanto (e finge que não sabe)
Vem amor, sempre existe uma solução
Eu 'tô te esperando
(Todo mundo sabe)
Só você não sabe

Vem amor, sempre existe uma solução
Eu 'tô te esperando
(Todo mundo sabe)
Só você não sabe

Vou sair dizendo (que você não sabe)
Que a felicidade (que você não sabe)
Vive bem mais perto (do que você sabe)
Sou o homem certo (e você bem sabe)
Ai! Amor, seu lugar no meu coração
'Tá desocupado
(Todo mundo sabe)
Só você não sabe

Ai! Amor, seu lugar no meu coração
'Tá desocupado
(Todo mundo sabe)
Só você não sabe.



Sérgio Godinho _Que força é essa, Amigo






Sérgio Godinho
que força é essa?


Vi-te a trabalhar o dia inteiro
construir as cidades pr´ós outros
carregar pedras, desperdiçar
muita força p´ra pouco dinheiro
Vi-te a trabalhar o dia inteiro
Muita força p´ra pouco dinheiro
Que força é essa
que força é essa
que trazes nos braços
que só te serve para obedecer
que só te manda obedecer
Que força é essa, amigo
que força é essa, amigo
que te põe de bem com outros
e de mal contigo
Que força é essa, amigo
Que força é essa, amigo
Que força é essa, amigo
Não me digas que não me compr´endes
quando os dias se tornam azedos
não me digas que nunca sentiste
uma força a crescer-te nos dedos
e uma raiva a nascer-te nos dentes
Não me digas que não me compr´endes
(Que força...)
(Vi-te a trabalhar...)
Que força é essa
que força é essa
que trazes nos braços
que só te serve para obedecer
que só te manda obedecer
Que força é essa, amigo
que força é essa, amigo
que te põe de bem com outros
e de mal contigo
Que força é essa, amigo
Que força é essa, amigo
Que força é essa, amigo
Que força é essa, amigo

terça-feira, 3 de janeiro de 2017

O percurso _Suzete Brainer






O percurso


A minha pele veste

A sonoridade do vento
Que não deixa marcas;
Guarda uma trilha
De silêncios
Colhidos no meu
Entardecer...
O sol me acorda,
Deixando todos
Amanheceres
Sobre a minha pele,
Com a inscrição
Da brevidade da vida.

Suzete Brainer (Direitos autorais registrados)
Imagem: Obra de Richard S. Johnson
in:
http://opianoquetocapoesia-poemas.blogspot.com/


domingo, 1 de janeiro de 2017

Terra de Prata_Lágrima de Lua

CARTA A UM ALGUÉM - I



Terras de Prata



   No meu chão há espinhos de prata e frutos de um dourado rubro, em campos a perder de vista, a perder o pé. O campo estende-se - como lençol em cama nubente - em tons de água chovida de um céu cor de anjos. As fragrâncias doces e finas - jóias de artesão -  rodopiam em terno e cadenciado turbilhão. No meu chão há pétalas de rubis e diamantes: negros, como noites sem luar. Há risos que sobrevoam, rasantes, os pezinhos das fadas transparentes. No meu chão há a sombra de um alguém.

   A vida arqueja coxeante, dia-a-dia: noite-a-noite, como raposa delapidada, como gaivota arroteada em terras de nunca mais. Tudo cresce, tudo floresce e enrubesce - tudo muda - menos tu: minha sombra de alguém; Tu caminhas comigo - silenciosa -, arroxeada e encastoada de espanto. Onde eu pisar, pisarás tu também. Sento-me à sombra das faias - desdentadas de invernia - e escrevo-te.
Dedilho palavras sobre o papel como se esgravatasse as teclas de um piano. Oh minha sombra de alguém: saberás tu, porventura, o que vulcaneja no meu peito sempre que o teu rumor contrastante se projecta no meu caminho? Saberás tu, quem me dera, as golfadas de amor  que reprimo - amordaço -, ao procurar-te neste meu chão de argênteos espinhos? Não - não sabes-, não podes.
Busco-te nas esquadrias matinais pintadas de carmim e ouro. Prendo o teu reflexo nos baixios da queda do sol a cada noite. Aso a minha alma sempre que a tua mão roça - breve - como penugem de pomba peregrina, os  meus olhos vazios, o meu rosto deserdado. Suspiro pelo toque da tua mão - de sombra de alguém -, na minha, de maré vazante. E escrevo, escrevo pelas horas e pelos vazios, a preencher os ocasos onde te perco: sombra minha. E escrevo, escrevo - poemas e prosas - inventando mares para descobrir, leitos de mel e rosas para te desfrutar - para me rendilhar -, para nos fundir. Escrevo cada palavra que se cola aos lábios, murchos de tanto guardar, cada tela que idealizo, projectada nos meus céus de véus velados.

   Aos meus pés permanece o caminho de espinhos prateados, e nas árvores ainda pendem os cobiçados, frutos de rubro dourado - agrestes de solidão - desidratados de amor, ácidos de (des)carinho. encolhidos de solidão. Hoje - sombra de alguém- não te procurei. Tu estás: sempre, escondido num tronco, olhando para mim - de longe - espiando, guardando, velando; Paternal sombra. Sinto a tua presença, mansa como maré vazante, suave como berço de ternura - em braços maternais. O teu perfume engole o espaço entre o tu e o eu - vem como brisa -, como orvalho salgado de um mar profundo inebriado, e veste-me o corpo, enfeita-me a alma, acelera o coração. 
Diz-me, sombra de alguém - é assim que fazes amor? É assim que amas, que profanas, que devoras e te deleitas? 

   No meu chão continuam espinhos de prata e frutos de um dourado rubro em campos a perder o pé.....



Folha, Outono, Sunrise, Hora De Ouro



CARTA A UM ALGUÉM - II



Terras de Prata



Neste meu chão de espinhos prateados fiz nascer um sacerdotal sentimento - pulcro - para ti: minha etérea sombra de alguém. Sentei-me nos esconsos de um ribeiro de águas sonhadas, mergulhei na magia do micro segundo que media o suspiro entre o dia e a noite. Toquei-te! Toquei-te com o escorregar dos dedos: aflorei o contorno, negro, da tua figura - feita presença - ao meu lado. Tu sorriste: do âmago do teu encarvoado aspecto.; Sabes? o teu sorriso penetrou a minh'alma, borboletou o meu coração. Fizeste o dia nascer - de novo - no fusco dos pirilampos.

Tens magia no teu silencio ululante, tens luz na tua escurecida silhueta, tens ritmo sinusal a elevar-se na natureza que se despe para dormir.Tens o poder de me prender ao suspiro das borboletas, estonteadas, de luz. Tens nas mãos - que não conheço - o calor que pões nas minhas: geladas de esperar, de te esperar. E no entanto, aí estás tu: sombra amada de alguém, a projectar-te sobre mim, a capear-me o corpo, como se me quisesses possuir; A inundar-me a alma, como se a quisesses sugar. Aí estás tu; Imensa, imersa, eterna e suavemente presente. Estendo a mão, devagar, não te quero assustar: não te quero longe, preciso de te ter ao lado, ao alcance da mão. E, sabes? Hoje tu ficaste; Sossegadamente ao meu lado, invadindo-me com a tua sombra: sabes bem. Tens tons de luar e algas, misturado com alfazema e mel. Sabes a liquido e a terreno - sabes a vida.

Escrevo-te, minha sombra de alguém, relembrando os hidrofóbicos instantes em que te derreteste no meu corpo, em que decompuseste o orvalho de uma incógnita lagoa, bordada de estrelas e embalada de luar. Escrevo-te: porque não te posso falar....


Resultado de imagem para borboletas de luz



CARTA A UM ALGUÉM III


Terras de Prata



Minha sombra de alguém, o tempo passa, o tempo corre - e morre - e ressuscita num novo dia; Este dia. Dedilhei as horas e penteei os verdes prados, embalei mares de cobalto nos meus braços de satélite da vida. Gravitei pelo dia: que não para. Saltei barreiras de interrogações e certezas só para estar contigo - sombra de alguém. A noite cai, mais uma noite de mantos de veludo, a arrastar uma cauda de estrelas: cadentes, incandescentes. Só mais uma noite.
E tu continuas o teu caminho de sombra, não sei se paralelo ao meu. Não sei se cruzando o meu. No fundo nada sei de ti, minha sombra de alguém, sei apenas o que sinto se te penso; Sei apenas o que sonho, se te sonho - o que me invade - se te procuro. E hoje procuro-te, sabes? Procuro-te no ténue cair do dia, quando se desdobram as sombras e as penumbras, quando os pintores posam os pincéis e embrulham as tintas. Procuro-te na brisa que escorre da serra e se amadurece no mar. Procuro-te nas palavras - na melodia de cada uma delas -, nas imagens, nas luzes que acordam nas ruas, nos lares, no céu. Sim, procuro-te neste final de dia - já é noite - e não te sinto. Não te vejo: não te toco, nem a tua afável sombra me segue, nem se prende nos meus passos. Desapareceste - sombra de alguém.
A noite agigantou-se no tempo, as doze badaladas estão prestes a soar. Há no ar um vazio de vida, um vazio de palavras, de cores, de mundo. Onde estás sombra de alguém? Foste para o teu secreto espaço, onde só as sombras habitam? Foste ver o ano passar lá para o alto, bem perto do céu? Onde podes ver o mundo a teus pés - sem te sujares nas humanas figuras. Fico a sentir as horas passarem...

7...6...5....4...3...2...1....... Saltamos o ano.

Sombra de alguém - onde quer que estejas - que tenhas um novo ano de paz; Mesmo que a tua companhia não se faça sentir em mim, no meu prateado e espinhoso caminho. Mesmo que o teu sombreado toque não me toque mais, nem o teu perfume de escuro me inunde mais. Ainda que não seja mais capaz de pintar telas de sonhos com as cores com que me preenches a vida, desejo-te um ANO bem NOVO. Porque os Natais e Anos Novos da vida são aquilo que nós quisermos que sejam.

Feliz Ano Novo minha querida sombra de alguém.




in: 
http://lagrimasdeluar.blogspot.pt

Um vulcão apaixonado...






...

Boas Festas e Ano Novo Próspero