Todos os navios se fundem num torpor
de nevoeiro e maresias
e o pássaro azul junto ao penhasco
soltou-se mesmo agora do pavor
das minhas mãos vazias.
É jovem a maré que se das algas
enlaçada em areia movediça
na boca da praia
e o seu último grito de brancura
salpica de espuma a minha saia.
Afasto o pesado manto de nuvens
que trago nos braços
frágeis como ramos partidos
trazidos ao areal onde cheira a resina
e sal, a gestos aos bocados
em agitação e deriva arrefecidos.
Um barco balança ao longe na corrente
que arrasta das noites sem tempo
o eco em alto mar do último resgate.
Ao horizonte lanço o meu olhar desfeito
afogado no massacre rítmico que se esbate
na ondulação das vagas do meu peito
recortando a imagem do teu olhar
gravado na face do rochedo
sobrevoado por corvos marinhos,
pelo vento, e pelo medo.
Em todas as coisas que procuro
existe um traço solene e obscuro,
refém da exaltação das ondas e dos astros.
Uma luz sem cor, intensa e derramada
na mesma antiga estrada de água
onde vagueiam altivos todos os mastros
içados em miragem e sonolência.
Lugar onde ninguém habita, e todas as cores
do dia pintam ao fim da tarde
os contornos da tua ausência.
Transparência de aquário onde arde
o derradeiro instante em movimento
de conchas, estrelas, verdes peixes
rutilantes em perene milagre lento.
Mesmo que sem um adeus me deixes.
Lemes, remos, sombras de uma velha nau,
viagens de quimera e de tormenta,
corações de papel, âncoras de pau...
Mas a minha alma tudo inventa
e encontra porto seguro onde se senta.

Laura Santos
Sem comentários:
Enviar um comentário