quarta-feira, 18 de março de 2015
mário cesariny | autografia
[…]
M.C. - «Queria de ti um país de bondade e de bruma
queria de ti um mar de uma rosa de espuma».
Olha, eu não sei se realmente era isso que eu queria…
não sei… posso tê-lo querido. Posso ter desejado isso
diante de algumas adversidades. O poema também é
verdade, não te vou dizer mais que o que está lá escrito.
É aquilo! Fomos sempre lunáticos, lunáticos do passado
e lunáticos do futuro, não há nenhum país que esteja
quatrocentos anos à espera que um rei reapareça. Não
existe. E depois aparece um borra-botas, é ele!
Trezentos anos depois! Isto é fantástico, isto é bonito
até. É um povo menino, um povo criança, não é?
Mas depois não dá para ser país. Como a Alemanha.
Não dá… E querem que sejamos, querem-nos…
A CEE quer isso. Que sejamos. Que cresçamos.
Há uma coisa muito bonita, eu não sei alemão, e em
inglês também não averiguei, eu tenho ali um
dicionário de marinha, isto é assim, o barco assim,
a vela assado, depois há uma expressão que diz assim:
«dar a volta ao mundo», que é uma operação no alto
mar, mas tu sabes o que isto é? É fazer uma rotação
completa com o barco. Quer dizer, o mundo são eles,
não é o que está fora.
Mas suspeito muito de que isto só cá. Dar a volta ao
mundo é ir a Berlim e a Pequim, não é? Não, não, não.
É dar uma volta a esta cadeira onde eu estou, dei a
Volta ao mundo, porque o mundo sou eu.
M.C - Não, não pode ser dor. Pode-se ter saudade
de um paraíso, sabes? Saudades do inferno é que
ninguém tem. E o Pascoaes disse isso, que a saudade
é uma conjunção, um anel, um anseio de um passado
já desaparecido e de um futuro também, a chegar.
São duas coisas juntas. Porque tornar presente uma
coisa que já passou, já é de alguma maneira futurá-la,
não é?
Tenho ali muitos livros sobre a saudade… agora, é
uma coisa um bocado portuguesa, não é? Porque
somos um país aqui do extremo da Europa, aqui à
beira-mar… não temos muitas hipóteses. Então,
sonhamos, sonhamos muito. Muito sonhadores…
quer dizer… tenho saudades de comer uma grande
lagosta, tenho saudades de quê? De?...
olha, tenho saudades de voar! Ah! Isso tenho!
Porque eu, não sei desde quando, mas quase desde
miúdo, até aos cinquenta anos, todas as noites,
eu já adormecia a sorrir de gozo, porque sonhava
SEMPRE que voava, e era uma coisa tão boa,
tão boa… uiiiii!
E eu orientava-me! E depois não tinha… quer dizer,
não havia paisagem. Era o espaço puro… não se via
nada. Maravilha.
[…]
autografia
um filme de miguel gonçalves mendes
a phala 1#2007
de s. jerónimo a cesariny
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