segunda-feira, 15 de julho de 2019

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Milhares de sobreiros em risco? A mina que ainda não abriu e já está a assustar muita gente


Bruno Gonçalves
15/07/2019 20:04
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O projeto da Mina da Lagoa Salgada ainda está numa fase inicial, mas os agricultores da zona já estão preocupados com o impacto que poderá ter na região. Temem que os milhares de sobreiros existentes naqueles 10 mil hectares acabem por morrer. O i esteve no local para perceber o que está em causa.


São milhares de árvores protegidas por lei, um dos montados mais bonitos do concelho de Grândola e o sustento de várias famílias. Agora, vários agricultores temem que os seus sobreiros sejam destruídos pela Mina da Lagoa Salgada, um projeto que ainda aguarda aprovação mas já está a apoquentar várias povoações. Os agricultores já testemunharam um cenário parecido nas imediações, com a exploração de outras minas – o pior surgiu quando estes projetos foram encerrados e as pessoas foram deixadas desamparadas. Temem que não se tenha aprendido com os erros do passado e que a ganância se sobreponha às preocupações com o ambiente e com as populações.

O consórcio Redcorp e EDM – Empresa de Desenvolvimento Mineiro detém uma área concessionada pelo Estado para a prospeção e pesquisa de depósitos minerais como cobre, zinco, ouro e prata. Esta área, chamada Lagoa Salgada, tem 10 700 hectares, ou seja, o equivalente a dez mil campos de futebol, que se estendem pelos concelhos de Grândola, Alcácer do Sal e Ferreira do Alentejo. Dentro desta área existem muitas propriedades privadas, cheias de sobreiros e outras espécies.

Ora, pretende agora a Redcorp obter a concessão de exploração da Mina da Lagoa Salgada. Segundo a proposta de definição do âmbito, um documento que antecede um estudo de impacto ambiental, a empresa propõe-se abrir uma mina naquele local, o que implica também a instalação de um “estabelecimento industrial de tratamento do minério, denominado lavaria. Nesta unidade terá lugar a beneficiação do minério, composta por processos de concentração do minério, para a produção de concentrados de zinco, de chumbo e de cobre existentes no jazigo mineral”. O projeto incluirá ainda zonas de armazenamento, escritórios, instalações sociais e oficinas.



Este projeto está para avançar há anos, mas agora, com a partilha deste documento na plataforma da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), as pessoas que têm propriedades dentro da zona concessionada começam a temer que a abertura da mina esteja para breve. E que destrua o trabalho de várias gerações. “Estão aqui árvores centenárias, milhares de árvores que foram plantadas há dezenas de anos e que agora dão da melhor cortiça. Este projeto poderá colocar em causa o trabalho de várias gerações e destruir uma das zonas de montado mais bonitas do país”, disse ao i António Rocha, um dos proprietários de terrenos dentro da área concessionada.

E este medo aumentou com o que estava descrito na proposta de definição de âmbito: a Redcorp fala sobre os riscos para a qualidade da água e do ar e a possibilidade de existirem níveis elevados de ruído. Mas uma das questões que mais preocupam os agricultores da zona são os níveis freáticos. “Considera-se que não são negligenciáveis as necessidades hídricas do presente projeto, a eventual possibilidade de provocar rebaixamentos induzidos nos níveis freáticos envolventes e a possibilidade de poder afetar os cursos de água superficiais”, refere o documento, sem adiantar, no entanto, de que forma isto poderá acontecer, em que zonas e quais as formas de mitigar os danos. O rebaixamento dos níveis freáticos teria consequências muito graves nos sobreiros e nas restantes espécies daquela área – sem água no subsolo, as árvores não conseguiriam manter os níveis de humidade necessários à sua sobrevivência.

Aliás, o documento pouco ou nada fala sobre as consequências deste projeto nos milhares de sobreiros daquela zona. Ao contrário de, por exemplo, a Mina de Neves-Corvo, que era já uma zona com pouca vegetação, a Lagoa Salgada está repleta de árvores – basta passear um pouco pela zona para perceber que não existe uma área com uma dimensão considerável para instalar partes deste projeto sem arrancar árvores. “Em Neves-Corvo, as lagoas das lavarias têm 260 hectares. Estas áreas têm vários produtos químicos e reagentes, que são usados na extração [dos minerais]. Aqui não temos uma zona sem árvores com essa dimensão”, frisa António, com um tom grave na voz, de quem antevê o corte de muitos sobreiros.



Por agora, não foram arrancadas árvores, mas foram feitas dezenas de sondagens no local que estão já a afetar o terreno: equipas que se encontram no local 24 horas por dia realizam perfurações para recolher amostras do que está no subsolo. “Com a areia a acumular-se, sem a vegetação à volta, vamos ficar com uma zona árida, parecida com um deserto”, diz António ao i.

No terreno de Manuel Rocha, tio de António, as equipas continuam a perfurar o solo e a tirar barras brilhantes, com vestígios de ouro e prata. Aqueles cilindros valem muito para uns, mas para Manuel pouco interessam. “É uma tristeza o que estas pessoas estão a fazer. Eu não posso fazer uma série de coisas sem autorização [do Estado] e estes senhores chegam aqui e podem furar tudo. Estão a destruir o trabalho de uma vida”, diz o agricultor octogenário, sem conseguir conter as lágrimas.

No terreno de Luís Dias ainda não há furos, mas este agricultor teme que, com as consequências cada vez mais evidentes das alterações climáticas, este projeto venha piorar ainda mais a situação. “Neste momento há já no concelho muitas zonas com dificuldades em obter água. Parece haver um desprezo pelos impactos ambientais e os estudos feitos sobre isso parecem ser apenas uma mera formalidade. Há sempre interesses por trás destas coisas. Por muito aguerridos que possamos ser, somos muito pequeninos para lutar contra estas coisas”, disse ao i.

Nas mãos dos canadianos

Mas se estes são terrenos privados, como podem estar a ser feitos buracos sem autorização dos proprietários? A resposta é dada pelos próprios agricultores de uma forma muito simples: o Estado é dono de tudo o que está abaixo dos cinco metros de profundidade. “Os proprietários não têm direitos no subsolo. Normalmente, as empresas informam as pessoas que querem realizar sondagens nas suas propriedades. Mas se estes se mostrarem contra, julgo que o interesse do Estado se sobrepõe ao do privado”, confirmou o eng.o Augusto Pedroso.

Este especialista em engenharia de minas, conhecedor daquela área em particular, defende que é possível mitigar os impactos ambientais da abertura de uma mina, mas tudo depende de quanto se está disposto a gastar: “É difícil não haver impactos. Desde a contaminação de solos, de ar, o ruído, etc. Mas alguns impactos podem ser mitigados. Os processos já estão todos tão desenvolvidos que há sempre soluções, umas mais caras, outras menos caras. Está tudo relacionado com o jogo dos custos e dos interesses económicos”, diz ao i.



Quem está por trás deste projeto?

É preciso recuar alguns anos para perceber todos os negócios que já houve em torno destas terras. Em 1994, a área foi concessionada a uma empresa chamada Rio Tinto Zinc e à EDM, que é uma agência do Estado português. Foram realizadas várias perfurações para perceber se aquele vasto terreno tinha potencial. E tinha. Tanto que até despertou interesse no estrangeiro. Assim, em 2004, a propriedade é comprada pela Redcorp, que na altura era detida pela canadiana Redcorp Ventures. Em 2009, a empresa portuguesa é adquirida pela Portex, também ela uma empresa canadiana. Seis anos depois, a empresa de investimento suíça TH Crestgate GmbH adquire 100% da Redcorp. A última mudança acontece em junho de 2018, quando a empresa volta a ficar nas mãos dos canadianos: a firma suíça chegou a acordo com uma companhia chamada Ascendant Resources que é agora responsável por parte desta subsidiária portuguesa, que tem sede em Braga. Além disso, a Ascendant descreve no seu site que detém atualmente 25% da Redcorp, mas “tem a opção de chegar aos 80% após serem alcançados determinados objetivos”.

O i enviou questões à Redcorp para perceber como o projeto está a decorrer e se estão a ser acauteladas as questões ambientais mas, até ao fecho desta edição, não obteve respostas. O i questionou também a APA e o Ministério do Ambiente sobre este processo, que não reagiram. Também as autarquias foram questionadas sobre este projeto e apenas a Câmara Municipal de Alcácer do Sal respondeu, dizendo que o município “pronunciou-se nos termos legais aplicáveis, evidenciando um conjunto de preocupações que propôs serem consideradas no Estudo de Impacto Ambiental, na área abrangida pelo contrato de prospeção”. “Acima de tudo, o Município pretende, e já se pronunciou no sentido de que a pretensão dê cumprimento ao PDM de Alcácer do Sal, e que seja garantido que os impactos negativos respeitantes à implantação do projeto não agravem a situação social, económica e ambiental no concelho”, acrescenta.

As árvores do pós-guerra Enquanto caminhamos pela propriedade, Manuel Rocha aponta para alguns dos sobreiros. “Veja como são bonitos e fortes. Vão destruir o que demorámos anos a construir”. E não há aqui hipérboles: um sobreiro demora cerca de 40 anos a entrar em fase de produção.

A primeira cortiça que é retirada, com uma tonalidade mais branca, tem de ter, na zona da planície de Grândola, entre 20 e 25 anos. Chama-se cortiça virgem e é usada ou para moer ou para elementos de decoração, vendidos principalmente nos Estados Unidos. Depois de esta ser retirada, é necessário esperar mais dez anos para extrair cortiça. Esta, chamada secundeira, é de má qualidade e só é usada para moer – a cortiça moída é usada depois para fazer alguns objetos, como sapatos. Após outra década começa a sair cortiça de melhor qualidade. Os sobreiros mais antigos, que continuam a produzir boa cortiça, são conhecidos como as árvores do pós-ii Guerra Mundial.

Passados pelo menos 40 anos começam a surgir os frutos de um trabalho difícil. Mas vale a pena esperar: a unidade da cortiça é vendida à arroba (15 quilos) e cada uma pode valer até 60 euros. Se for cortiça de boa qualidade, a quantidade que está na foto acima pode chegar aos 130 mil euros.

É um trabalho bem remunerado. Os agricultores passam oito horas no campo, a realizar tarefas duras, mas recebem, em média, 120 euros por dia. “Normalmente, quem faz este trabalho realiza outras tarefas no campo. Nesta altura do ano dedicam-se à cortiça, param em setembro e, mais tarde, dedicam-se à apanha da pinha-mansa. Depois, entre dezembro e março, fazem as limpezas das árvores. A partir de março fazem a tosquia das ovelhas, que dura até maio. Vão andando por estes trabalhos sazonais, duros, mas com uma remuneração muito acima da média. As pessoas deste projeto da Mina da Lagoa Salgada tentam aliciar com a criação de 300 postos de trabalho, mas esquecem-se que aqui não há desemprego. Só não trabalha quem não quer”, diz ao i António Rocha.



“A Chernobyl cá do sítio”

Não é de admirar que os proprietários de terrenos na zona da Lagoa Salgada estejam com medo do que aí vem. “Assim que isto perder o interesse, deixam tudo ao deus-dará”, dizem ao i.

Essa é, pelo menos, a realidade que testemunham numa aldeia que fica a apenas 40 quilómetros de distância, chamada Lousal. A mina de pirite ali aberta na década de 40 teve o seu momento áureo nos anos 60/70, mas a crise industrial do enxofre fez com que muitas explorações acabassem por ser encerradas. Foi o que aconteceu à mina do Lousal, em 1988.

“Na altura em que a mina funcionava, havia boas condições”, garante Maria Lucília Costa, assistente social que acompanhou os habitantes após o fecho da mina. Os trabalhadores viviam perto da exploração e tinham vários serviços ao seu dispor, como um hospital e uma farmácia.

Mas tudo mudou com o encerramento deste projeto: “Tudo girava à volta da mina. Com o seu encerramento, quase todas as pessoas ficaram desempregadas e os serviços foram todos encerrados. A população ficou entregue a ela própria”, explicou ao i.

O Estado já investiu milhões de euros a criar museus, centros de ciência e outros polos, mas de nada serviu: quem passa pela aldeia vê apenas uma ou duas pessoas na rua que olham para os forasteiros com ar de assustados, edifícios novos deixados ao abandono e casas destruídas, sem sinal de vida há vários anos.

“Houve um grande investimento no centro comunitário e na formação das pessoas, mas não havia emprego, pois não foram criadas empresas naquele sítio. E as pessoas, para irem trabalhar para Grândola, das duas uma: ou conseguiam bons empregos e ganhavam bem ou tinham de ter bons meios de transporte, pois a cidade ainda fica a 30 quilómetros de distância. Nada disto aconteceu”, diz a assistente social. Assim, a população do Lousal por ali foi ficando, entrando num estado de pobreza cada vez mais crítico. “Houve investimento no território físico, mas não houve uma aposta na qualidade de vida das pessoas. Não foram criadas respostas sustentáveis para aquela comunidade”, acrescenta Maria Lucília Costa.



E há ainda a questão da saúde: desde o encerramento da mina, em 88, que continuam a existir grandes reservatórios cheios de químicos. Quando vem o tempo do calor, a água seca e os reagentes acumulados ali há dezenas de anos ficam nos sedimentos. Quando chove, os reservatórios voltam a encher e a água que ali fica durante meses continua contaminada. E há ainda problemas no revestimento das casas – basta passar pelas primeiras ruas do Lousal para perceber que muitas habitações continuam a ter telhados feitos com as chamadas telhas de lusalite, associadas à presença de amianto.

O trabalho na mina, só por si, já traz consequências graves para a saúde, mas a presença de químicos na zona há mais de 30 anos também não deixa ninguém à vontade. Há mesmo quem diga que o Lousal é a “Chernobyl cá do sítio”, devido ao número de pessoas que desenvolveu problemas de saúde associados à exploração mineira, às ruas desertas e aos olhares vazios dos poucos que ali vão sobrevivendo. O i questionou também o Ministério do Ambiente e a APA sobre este problema mas, até ao fecho desta edição, não obteve resposta.

in: jornal i

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