O novo Horizonte de Teresa Salgueiro
Teresa Salgueiro apresenta o novo álbum a solo O Horizonte em concertos hoje na Casa da Música, no Porto, e amanhã no Centro Cultural de Belém, em Lisboa. Conversámos com a antiga vocalista dos Madredeus num hotel lisboeta.
Com nove anos de percurso em nome individual, Teresa Salgueiro está a viver o início de uma nova etapa a solo com o álbum O Horizonte, editado na semana passada. Hoje e amanhã, na Casa da Música e no Centro Cultural de Belém, Teresa Salgueiro vai interpretar os temas do novo disco, promete recuperar algum do reportório do longo antecessor O Mistério, e vai cantar "algumas versões de temas da cultura portuguesa", sem esquecer os Madredeus.
Teresa Salgueiro passa a assumir no novo disco o comando de todos os aspetos da sua música - letras, composição, interpretação e até produção a meias com o seu multi-instrumentista Rui Lobato. "De facto, este disco foi uma grande luta, porque começou a ser composto logo depois de O Mistério, o disco que gravei em 2012. Entretanto, houve muitas alterações. O Horizonte representa aquela linha que está ali [Teresa aponta ao fundo], sempre longe. É o limite daquilo que conseguimos ver e que nos convida a fazer um caminho. À medida que caminhamos, o horizonte muda mas o sonho permanece. Nesse caminho vamos encontrando o mundo real. Sendo o sonho de ser músico, este disco teve de passar por várias fases e obstáculos que se tornam oportunidades para melhorarmos as coisas. Acredito que o disco é melhor agora. Se tivesse sido feito há quatro anos, o disco teria sido outro. Acho que a música está mais profunda do que a de O Mistério. Mudaram pessoas, saiu o guitarrista que queria fazer um masterclass em Nova Iorque. Há dois anos saiu a acordeonista. É uma muito maior responsabilidade, a de gerir esta atividade para a qual colaboram pessoas cujas vidas dependem disto."
Nesta nova formação, além de Rui Lobato, o coletivo de Teresa Salgueiro conta com o contrabaixista Óscar Torres, o acordeonista Marlon Valente e o guitarrista Graciano Caldeira. "Os músicos que vieram trouxeram a sua linguagem. Se calhar, o tempo que levou podia ter sido um pouco menor. Mas o percurso que tem sido feito tem sido muito enriquecedor para mim."
A curiosidade é que Teresa Salgueiro continua a ser acompanhada por mais quatro instrumentistas, o que aconteceu em vários períodos dos Madredeus. "É uma coincidência mas também uma procura. Aquilo que eu quis era um som que fosse novo, que não me fizesse repetir. Pensei no acordeão porque era um instrumento que tinha estado no meu início. E é um instrumento bastante versátil, parece uma orquestra. E é muito português. O contrabaixo é um instrumento também bastante versátil. Ainda por cima, o contrabaixo do Óscar é elétrico e permite o uso de pedaleiras e de uma série de recursos. A ideia era encontrar uma música que fosse ao encontro da minha voz e de um som com o qual me identificasse."
Na comparação inevitável de O Horizonte com os Madredeus, notam-se algumas diferenças substanciais, nomeadamente na secção rítmica. Mas há associações evidentes, como o ar do acordeão. "Poderá haver uma proximidade sonora nalgumas coisas e até de inspiração, pois sou a mesma pessoa. Passei muitos anos a cantar o meu amor a Portugal e continuo a fazê-lo. Mas a música é muito diferente. Nos Madredeus, os temas são mais canções, com uma estrutura clássica. Nós hoje não fazemos bem isso. Há pontualmente canções, mas o que fazemos são essencialmente peças, as letras raramente se repetem. É outra fórmula de música. Mas se me compararem aos Madredeus, só posso ficar contente, estive lá tanto anos. Gostei muito dos Madredeus quando lá estive."
Outra das razões que ajudam a diferenciar o novo álbum de Teresa Salgueiro do legado dos Madredeus prende-se com o facto de a cantora lisboeta passar a assinar as letras. "Estes temas que tocamos sabemos que vão suportar a voz e as palavras cantadas e um pensamento - tanto n"O Mistério como n"O Horizonte. Acho que este disco é muito pessoal mas não num sentido autobiográfico. É pessoal porque representa o meu pensamento e a minha visão sobre a realidade. Quando estou a escrever, estou a imaginar quem vai ouvir-me. Claro que imagino uma plateia, mas também imagino um a um. Nesse sentido, é um disco dirigido a cada um."
Nessa escrita de letras, Teresa Salgueiro conseguiu inspirar-se para o tema mais interventivo que jamais cantou: chama-se Êxodo. "Esse tema já tem quatro anos. E sempre se chamou Êxodo mas só escrevi as letras há pouco tempo. O Êxodo inspirou-me sempre a falar nos povos excluídos. Há séculos que cruzam o planeta, expulsos por outras comunidades. Isso é uma coisa que me faz muita confusão. Portugal é também um país de diásporas, se bem que a emigração foi muitas vezes forçada, de que temos casos recentes. Quando comecei a escrever este tema, aconteceu a guerra da Síria que tem provocado este êxodo terrível. Estava a lembrar-me de povos, que para além de perderem as suas casas não têm para onde ir. Se houvesse vontade política, nós poderíamos estar a viver num mundo extraordinário. Mas o pior da natureza humana ainda está a vencer. É assustador. Temos de lutar."
Durante vinte anos, Teresa Salgueiro habituou-se ao amparo de uma retaguarda altamente profissional chamada Madredeus. Mas Teresa Salgueiro não se sente hoje mais desamparada: "Sinto-me livre. E tenho outra retaguarda, de músicos extraordinários que me acompanham. Há um núcleo duro na banda, formado por mim, pelo Rui Lobato e pelo Óscar Torres, e há um trabalho de equipa que me faz sentir apoiada. Tenho a sorte de contar com estas pessoas, com quem consigo falar, e que se preocupam tanto quanto eu com a qualidade. Há muita liberdade criativa em que eu sou o filtro."
Saída pacífica dos Madredeus
O que será mais difícil: uma rapariga de 17 anos a enveredar pela carreira de cantora no início dos Madredeus ou uma mulher com mais vinte anos em cima a decidir aventurar-se num percurso a solo? Para a cantora, a decisão de sair dos Madredeus não foi "nada difícil porque foi pacífica e a única possível. E a decisão de ingressar nos Madredeus também não foi nada difícil porque foi uma alegria, ninguém sabia no que aquilo ia tornar-se. Eu era ainda miúda. O grupo depois profissionalizou-se mas no início foi um encontro feliz. Saí por um desentendimento de agenda. Tínhamos combinado um tipo de ocupação e estava a ser-me exigido outro. "Ou é este ou é nada!". Neste caso, escolhi o nada. Era a única opção possível, não ia ficar a fazer uma coisa que não tínhamos combinado e que não me ia permitir estar de corpo e alma no projeto como sempre estive ou como sempre tentei estar. Nesse sentido, foi pacífico. Somos responsáveis pelos sonhos que escolhemos. Claro que isso tem consequências. No meu caso, o meu sonho era continuar a cantar."
E para continuar a cantar, Teresa Salgueiro tem os cuidados normais com a voz, como explica: "Tentar ter uma vida regrada a nível de dormidas, não fumar, não beber. Já fumei no passado mas já deixei há muito tempo porque não me faz bem nenhum. Bebo muita água, gosto muito de gengibre, mascado e por vezes em chá. E faço o aquecimento normal de voz antes de cantar."
in: "DN"