quinta-feira, 18 de junho de 2015

CHICO BUARQUE - VALSINHA








Uma das mais belas composições musicais que, sem hesitação, classifico.
Os tons harmónicos e melódicos dão a esta criação, na minha opinião, o estatuto comparável às obras de Schubert.
Só duas Almas verdadeiramente geniais, na Cultura brasileira, poderiam criar tão sublime e intemporal sentido ao ouvido.
Gostaria de ter encontrado a voz acompanhada unicamente ao piano e em dueto com os dois compositores o que, infelizmente, não foi possível.

Talvez alguém encontre e aqui venha partilhar.


Valsinha

Voz:Chico Buarque de Holanda

Composição: Chico Buarque / Vinícius de Moraes

Um dia ele chegou tão diferente


Do seu jeito de sempre chegar


Olhou-a de um jeito muito mais quente


Do que sempre costumava olhar


E não maldisse a vida tanto


Quanto era seu jeito de sempre falar


E nem deixou-a só num canto


Pra seu grande espanto, convidou-a pra rodar






E então ela se fez bonita


Como há muito tempo não queria ousar


Com seu vestido decotado


Cheirando a guardado de tanto esperar


Depois os dois deram-se os braços


Como há muito tempo não se usava dar


E cheios de ternura e graça


Foram para a praça e começaram a se abraçar






E ali dançaram tanta dança


Que a vizinhança toda despertou


E foi tanta felicidade


Que toda cidade se iluminou


E foram tantos beijos loucos


Tantos gritos roucos como não se ouvia mais


Que o mundo compreendeu


E o dia amanheceu em paz


terça-feira, 2 de junho de 2015

Poema à Mãe_Eugénio de Andrade



No mais fundo de ti,
eu sei que traí, mãe

Tudo porque já não sou
o retrato adormecido
no fundo dos teus olhos.

Tudo porque tu ignoras
que há leitos onde o frio não se demora
e noites rumorosas de águas matinais.

Por isso, às vezes, as palavras que te digo
são duras, mãe,
e o nosso amor é infeliz.

Tudo porque perdi as rosas brancas
que apertava junto ao coração
no retrato da moldura.

Se soubesses como ainda amo as rosas,
talvez não enchesses as horas de pesadelos.

Mas tu esqueceste muita coisa;
esqueceste que as minhas pernas cresceram,
que todo o meu corpo cresceu,
e até o meu coração
ficou enorme, mãe!

Olha — queres ouvir-me? —
às vezes ainda sou o menino
que adormeceu nos teus olhos;

ainda aperto contra o coração
rosas tão brancas
como as que tens na moldura;

ainda oiço a tua voz:
Era uma vez uma princesa
no meio de um laranjal...

Mas — tu sabes — a noite é enorme,
e todo o meu corpo cresceu.
Eu saí da moldura,
dei às aves os meus olhos a beber,

Não me esqueci de nada, mãe.
Guardo a tua voz dentro de mim.
E deixo-te as rosas.

Boa noite. Eu vou com as aves.


Eugénio de Andrade, in "Os Amantes Sem Dinheiro"