domingo, 26 de março de 2017

AC_Saudade

Saudade


Havia um monte. E uma árvore. E uma fonte. Vindo de longe, movido a saudade, ouvia-se um lamento. Que fazer? Pegou nas lembranças, envolveu-as num ramo de flores e foi, de coração apressado, ao encontro dela..

AC.
in: http://ac-wwwinterioridade.blogspot.pt/2017/03/saudade.html?m=1

sexta-feira, 17 de março de 2017

Sónia M _ (dois poemas)



foto net



....

de ti queria as coisas que não tenho
o que me falta e não consigo
o que não posso
ou ao que não me chega a coragem

queria o segredo dos que dormem
numa paz inexistente 

queria o sonho
dos que ousam acordados

pintar numa hora que seja
um minuto de sonho
que vingue ou que valha

queria o sonho
de ti queria um sonho!

ou ao menos

antes que durma vazia

cansada de tantas realidades 


que me dissesses ao ouvido 
bem baixinho 

a que cheira um sonho 

ou a que sabe...

Sónia M

..........

Não esqueças, meu anjo...

não esqueças
meu anjo
não esqueças
guarda bem o que te digo

de tudo o que vês
te tornas parte
só de ti depende a parte que sejas

se não poderes ser cura
sê o alívio
de algum pássaro ferido
que encontres

sei que este lugar dói 
de tão oco
ruas inteiras cheias de pouco
olhos vazios que brilham por nada

mas não desesperes
meu anjo
não desesperes

constrói uma jangada de gestos
e atravessa com ela todos os mares

as fadas
{quase extintas}
vivem entre os teus dedos
e as tuas mãos
ainda pequenas
guardam toda a magia do peito

e se ainda assim
um dia
tudo parecer feio e pesado

não esqueças
meu anjo
não esqueças

voltarás a encontrar a grandeza do mundo
seguindo o barulho de fundo
{quase inaudível}
das coisas miúdas.

Sónia M

Aos meus filhos

In: http://soniagmicaelo.blogspot.pt/

terça-feira, 14 de março de 2017

Judith Teixeira_ A Minha Amante

Judith Teixeira

A Minha Amante

Dizem que eu tenho amores contigo!
Deixa-os dizer!…
Eles sabem lá o que há de sublime
Nos meus sonhos de prazer…
De madrugada, logo ao despertar,
Há quem me tenha ouvido gritar
Pelo teu nome…

Dizem - e eu não protesto -
Que seja qual for
o meu aspecto
tu estás
na minha fisionomia
e no meu gesto!

Dizem que eu me embriago toda em cores
Para te esquecer…
E que de noite pelos corredores
Quando vou passando para te ir buscar,
Levo risos de louca, no olhar!

Não entendem dos meus amores contigo -
Não entendem deste luar de beijos…
- Há quem lhe chame a tara perversa,
Dum ser destrambelhado e sensual!
Chamam-te o génio do mal -
O meu castigo…
E eu em sombras alheio-me dispersa…

E ninguém sabe que é de ti que eu vivo…
Que és tu que doiras ainda,
O meu castelo em ruína…
Que fazes da hora má, a hora linda
Dos meus sonhos voluptuosos -
Não faltes aos meus apelos dolorosos
- Adormenta esta dor que me domina!

Judith Teixeira
...............

biografia


"Judith Teixeira nasceu em Viseu em 1880. Começou a escrever na adolescência "versos ingénuos, que guardava", (segundo palavras suas) e apareceu no "Jornal da Tarde" com composições em prosa que assinava com pseudónimo. Do seu nome verdadeiro, só haveria notícia em 1922, quando escreveu a maior parte dos poemas que haveriam de ser incluídos nos seu livros "Decadência" e "Castelo de Sombras", publicando também poemas na revista "Contemporânea". O livro "Decadência" saiu em Fevereiro de 1923. Em Março do mesmo ano, o Governo Civil de Lisboa apreendeu este livro de Judith, assim como as "Canções" de António Botto e "Sodoma Divinizada" de Raúl Leal, depois da polémica instalada após a publicação destes livros, apelidados de "imorais", que levaram uns quantos estudantes católicos sedentos de mão pesada, a queixar se contra a "literatura dissolvente" que "corroía a moral e os costumes". Os livros foram queimados e Judith apelidada de "desavergonhada". Fernando Pessoa tomou posição em defesa dos amigos Botto e Leal. De Judith, não mais se falou na altura. Em Junho do mesmo ano, Judith publicou "Castelo de Sombras", constituído por 24 poemas datados de sexta feira de paixão de 1921 a Abril de 1923. E em Dezembro do mesmo ano, resolveu editar novamente "Decadência". Durante o ano de 1925, Judith escreveu a maior parte dos poemas que iria publicar no livro "Nua", em 1926. Entretanto, editou e dirigiu a revista "Europa". O livro "Nua" foi anunciado pelo poema "A cor dos sons", publicado na revista "Contemporânea", n.º11. Em Junho, já com o livro à venda, sairia no jornal "Revolução Nacional", (jornal de propaganda da ditadura onde se insultavam os directores de quase todos os outros jornais), um texto onde era referido o livro "Nua" de Judith, como "uma das vergonhas sexuais e literárias" e apelidados os seus poemas de "versalhadas ignóbeis". Marcelo Caetano escreveria ainda, no jornal "Ordem Nova" (de que era fundador e redactor), que tinham aparecido nas livrarias uns livros obscenos, apelidando Judith de desavergonhada, e onde se vangloriava pela cremação dos livros dela, de Leal e de Botto, a que chamava de “papelada imunda, que empestava a cidade”. Judith Teixeira, depois de enxovalhada publicamente, ridicularizada, apelidada de lésbica e caricaturada em revistas, defendeu se e contra atacou na conferência "De Mim", cujo texto se apressou a editar. Sete meses depois, publicou "Satânia", enfrentando tudo e todos. Depois desta data, Judith assinou raras colaborações. Em 1928 publicou o "Poemeto das Sombras" na revista "Terras de Portugal" e depois disto, não se ouviria dela nem mais uma palavra. Pois depois de totalmente esmagada pela moral vigente, viu se em 1927 sentenciada de "morte artística" pela mão de José Régio, que diria: "Todos os livros de Judith Teixeira não valem uma canção escolhida de António Botto". Depois disto, sabe se que terá saído do país e que se terá calado para sempre uma voz tão incisivamente dedicada à agitação. Judith morreu em 1959. Quinze anos mais tarde, em 1977, António Manuel Couto Viana ressuscitava o nome de Judith Teixeira ao dedicar lhe uma memória no volume "Coração Arquivista" onde se interrogava porque teriam sido as poesias de Judith votadas ao silêncio e à ignorância das mesmas. Judith Teixeira é ainda hoje praticamente desconhecida e continua a não estar representada em qualquer antologia. Fala se ainda hoje da polémica da "literatura de sodoma" de Botto, Leal e Pessoa, e omite se aquela que viu igualmente um livro seu em labareda e que foi a mais perseguida e enxovalhada dos poetas modernistas. Uma excepção para a Editora "&etc", que, em 1996 resolveu editar os poemas de Judith Teixeira, (com pesquisa, organização e bibliografia elaborada por Maria Jorge e Luís Manuel Gaspar), com o objectivo de reparar a injustiça de tal silêncio a que esta poetisa vanguardista dos anos 20 foi votada todos estes anos."

in:http://www.truca.pt/

quarta-feira, 8 de março de 2017

ruy belo_morte ao meio-dia


Ruy Belo (1933-1978)
"Morte ao meio-dia" in «Boca Bilingue» (1966).

Dito por Mário Viegas in «Humores», Disco 2, lado A (1980). Mário Viegas recita aqui a versão definitiva do poema, publicada no Vol. I da «Obra Poética de Ruy Belo» (1972), onde foi interpolada a estrofe iniciada por "O português paga calado cada prestação".

Música: Max Richter, "What had they done?" in «Waltz with Bashir. OST» (2008).


(o poema:)

No meu país não acontece nada
à terra vai-se pela estrada em frente
Novembro é quanta cor o céu consente
às casas com que o frio abre a praça

Dezembro vibra vidros brande as folhas
a brisa sopra e corre e varre o adro menos mal
que o mais zeloso varredor municipal
Mas que fazer de toda esta cor azul

Que cobre os campos neste meu país do sul?
A gente é previdente tem saúde e assistência cala-se mais nada
A boca é pra comer e pra trazer fechada
o único caminho é direito ao sol

No meu país não acontece nada
o corpo curva ao peso de uma alma que não sente
Todos temos janela para o mar voltada
o fisco vela e a palavra era para toda a gente

E juntam-se na casa portuguesa
a saudade e o transístor sob o céu azul
A indústria prospera e fazem-se ao abrigo
da velha lei mental pastilhas de mentol

O português paga calado cada prestação
Para banhos de sol nem casa se precisa
E cai-nos sobre os ombros quer a arma quer a sisa
e o colégio do ódio é a patriótica organização

Morre-se a ocidente como o sol à tarde
Cai a sirene sob o sol a pino
Da inspecção do rosto o próprio olhar nos arde
Nesta orla costeira qual de nós foi um dia menino?

Há neste mundo seres para quem
a vida não contém contentamento
E a nação faz um apelo à mãe,
atenta a gravidade do momento

O meu país é o que o mar não quer
é o pescador cuspido à praia à luz
pois a areia cresceu e a gente em vão requer
curvada o que de fronte erguida já lhe pertencia

A minha terra é uma grande estrada
que põe a pedra entre o homem e a mulher
O homem vende a vida e verga sob a enxada
O meu país é o que o mar não quer.

Vol. I da «Obra Poética de Ruy Belo» (1972),

nuno júdice_um rosto


Um Rosto

Apenas
uma coisa inteiramente transparente:
o céu, e por baixo dele a linha obscura do 
nos teus olhos, que pude ver ainda
através de pálpebras semicerradas, pestanas húmidas
da geada matinal, uma névoa de palavras murmuradas
num silêncio de hesitações. Há quanto tempo,
tudo isto? Abro o armário onde o tempo antigo
se enche de bolor e fungos; limpo os papéis,
cartas que talvez nunca tenha lido até ao fim, foto-
grafias cuja cor desaparece, substituindo os corpos
por manchas vagas como aparições; e sinto, eu
próprio, que uma parte da minha vida se apaga
com esses restos.

Nuno Júdice



sexta-feira, 3 de março de 2017

Regina Figueiredo_Canto de Guerra

sexta-feira, 3 de março de 2017




Batalha de Navas de Tolosa

Canto de guerra

Possante, valente e audaz
seguro nas mãos a espada
do infeliz destino
perfeito hino 
de devoção ao meu povo

          Quem sou, quem sou?
          Sou Rei!

Inunda-me a raiva do fogo
e a ambição fustigada
invade-me as veias da discórdia
sob o sangue da vitória
seguro a espada

          Quem sou, quem sou?
          Sou Rei!

Indiferente é o meu salmo
só os mouros importam
se cabeças rolam pelo chão
na peleja não há opção:
ou se mata ou morre!

          Quem sou, quem sou?
          Sou Rei!

Ajoelham-se os que salvo
Gemem os outros de dor
Califás Almançor
Eis o vosso senhor
Mais fraco que um objeto.

          Quem sou, quem sou?
          Sou Rei!

Na mão da espada
o punho dormente
esconde o terrível segredo:
súbdito do medo
rasgo o nome para o degredo.

          Quem sou, quem sou?
          Ninguém!